sábado, 4 de outubro de 2014

[RESENHA] – Flores Azuis, Carola Saavedra



Em Flores Azuis, a chilena Carola Saavedra mescla uma história de plano de fundo com uma misteriosa história principal que é contada através de cartas. Temos dois personagens principais, um da história principal – quem escreve as cartas, e outro da história secundária – quem lê as cartas. Uma leitura rápida, mas bastante intensa, e que se desenrola aos poucos, de camada a camada, cada personagem revela um pouco da sua própria história.

Geralmente eu comento pouco sobre o enredo, para evitar spoilers. Mas esse livro eu precisarei ser mais específica, para poder compartilhar minha surpresa, indignação, pena e até empatia que senti ao ler cada página. Em Flores Azuis uma mulher conta por meio de cartas de envelopes azuis, sua história de amor para um total desconhecido. Se ela errou o endereço do destinatário, ou simplesmente queria compartilhar aquela história com alguém, eu não consegui descobrir. Mas se trata de uma história tão complexa e dolorida, que conseguiu influenciar atingir em cheio a vida do desconhecido leitor.

As cartas de Saavedra são uma mistura de poesia e desespero, de emoção e catástrofe. Não só o leitor se envolve e se desespera com uma história tão comovente, mas nós, ao ler esse livro, sentimos um incômodo quase físico, gutural, com a história. Escancaramos a vida de uma mulher ao ler, inadvertidamente, uma carta que não foi destinada para nós. E toda essa avalanche de sentimentos, tudo por causa do amor!

O grande protagonista em Flores Azuis é o amor. Qual o tamanho do amor? Qual a medida do amor? Quanta dor cabe no amor? E qual a métrica para o perdão? Quando alguém ama de verdade, deve suportar qualquer coisa? Deve perdoar tudo? Absolutamente tudo?

Carola Saavedra resume em seu livro, algo bastante tenebroso: o lado cego e obscuro do amor.

Vale a leitura. E ainda vou além! Leia em par, chame alguém pra ler esse livro junto com você! Pois quando terminar de lê-lo, você vai desejar enlouquecidamente alguém para comentar, discutir e questionar sobre o enredo. Então, arrume um amigo e boa leitura!


QUOTES:
“Escrevo para que você me leia. Simples assim. Para que você leia e volte, para que você me leia e pense que há algo surpreendentemente belo em mim, algo que você não viu, algo que passou por nós despercebido. [Escrevo] para que você me leia e ame. Mesmo que amar não seja assim tão fácil, amar não é assim tão fácil.”
"Ontem fiquei pensando nisso, no amor, nessa insistência no amor, como se o amor pudesse nos salvar de tudo, como se o amor pudesse nos salvar do ódio, da loucura e até do desejo. Quem será que inventou isso? Se nem mesmo do amor o amor nos salvaria!"
“No momento que acontecem, as coisas nunca assumem a importância que deveriam ter. Só muito depois, quando o tempo passou e a vida passou e tudo passou. No momento, ao contrário, é tudo tão rápido, tão simples, sem grandes escândalos, que é como acontecem as coisas mais espantosas.”
“Então, é apenas isso, esta última carta, e tudo o que te escrevi. Apenas para dizer que eu te receberia, se você voltasse, se você quisesse, se você, sem perceber, estendesse entre nós um atalho, uma ponte. Apenas isso. Eu te receberia sem perguntas, sem exigências, eu beijaria a tua mão e te guiaria até o quarto, o mesmo quarto, o nosso, a mesma cama, lembra?” 


Aldrêycka Albuquerque

sábado, 13 de setembro de 2014

Parênteses





"You could be my poison my cross
My razor blade
I could love you more than life
If I wasn’t so afraid
Of what it all could be"
Damien Rice





Parênteses


Na verdade eu sempre secretamente desejei que num desses rompantes de coragem, no meio de uma frase ou de um restaurante lotado, você me pegasse entre os braços e sufocasse nossa conversa com beijos.

Constantemente venho administrando meu desejo de simplesmente tocar teu rosto, acompanhar tuas linhas de expressão, beijar de leve teus parênteses. Ah, esses teus parênteses... O que de mais charmoso e intrigantes trazes no sorrir. Linhas côncavas dispostas de cada lado da tua face, como guardiões do teu sorriso, lembretes sutis da brevidade dos momentos felizes.

E quantas vezes eu já conjecturei, em um surto de ousadia eu mesma mandasse às favas todas as caraminholas que venho cultivando, e te jogasse na parede, sem aviso prévio ou chances de defesa. O que você faria?

Mas eu continuo a super-analisar tudo, fico aqui querendo calcular o efeito borboleta de cada atitude mais ofensiva que eu pudesse vir a tomar. Racionalizando demais, enquanto você se distancia.

Raros são os momentos de ouro, que me sinto mais próxima de você como nunca antes. Geralmente estamos presos em redomas separadas, olhando um para o outro pelo vidro, esperando quem enfim terá coragem de jogar a primeira pedra e sair de lá, ir em frente e resgatar o outro.

Mas enquanto a reviravolta da nossa história não chega, permanecemos em nossas gaiolas de vidro, escrevendo mensagens invertidas sem nunca saber se serão lidas, ou até mesmo corretamente interpretadas.


E eu, perdida em lembranças suas e de nossos momentos, passo os dias na esperança de uma mensagem, recado ou sinal de fogo, qualquer notícia sua que nunca chega. Até que de repente eu perco a paciência e estouro minha redoma, aproveito para também jogar uma pedrinha em teu teto de vidro, só assim você não esquece de mim. Só assim para você perceber que também pode sair daí e vir caminhar comigo. Agora juntos.


Aldrêycka Albuquerque

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sobre o mar que domei em mim



Todos sabem como é estar à deriva. Qualquer direção parece atrativa, e qualquer vento mais atrevido nos coloca em outra rota. E na falta de um destino traçado, se colocar a disposição das intempéries da vida é a única maneira de sair do lugar. Pra frente ou pra trás, mas acaba que me tira daqui. Me leva e me traz, açoitando-me às costas como o mar bate nos rochedos. Sem piedade a vida vai me rebocando, e aos trancos e rebordosas eu vim parar nessa ilha.

Não que eu esteja dispensando um porto seguro, mas em mar aberto avistar terra é quase uma miragem, e atracar a embarcação e dormir um sono tranquilo é quase um luxo. Então tomei essa tua ilha e chamei de minha, agarrei com todas as forças que ainda me restavam. E quando pensava que agora em terra passaria a estar ainda mais sozinho que no mar, eis que eu te vejo surgir. E tudo o mais parecia uma pintura de Dalí. Entrei em pânico. Juro que quase me joguei de volta pro mar, que nunca me pergunta nada, não me cobra nada, e ainda é meu companheiro. Fiel companheiro e capataz. Mas não esperava você. Não assim desse jeito.

Mas aí você veio. Assim tão misteriosa e carregando a força dos sete mares presa nos olhos. Comedida, só revela o que bem entende, e com apenas um olhar extrai de mim até os mais escondidos segredos. É uma força maior que qualquer tempestade que já passei, você olha pra mim e eu me desfaço como espuma do mar sobre a areia fofa da praia. Uma hora éramos apenas eu e o mar, de repente você é todo o meu mundo.

Nunca ninguém soube explicar como eu vim parar em mar aberto de novo. Fragmentos da nossa história ainda são contados em Terra firme, mas nenhum de nós ficamos para comprovar autenticidade do que é dito. Eu voltei pro mar, mas de você nunca ninguém soube precisar... Uns dizem que você encontrou uma rota de fuga, outros dizem que se jogou dos penhascos vítima de loucura. Eu preferi não acreditar em ninguém, voltei aos setes mares que novamente urgia meu nome. 

Para o mar não voltei pra te procurar, vim apenas pra te esquecer. Voltei pro mar me levar. Voltei pra aprender a perder o meu eu que você disse ter encontrado. Voltei a navegar por tempestades assustadoras, daquelas que eu costumava esperar passar, enrolado entre teus lençóis. Tempestades que tu me ensinastes a temer, das mesmas que no passado tanto me faziam mais humano. Mais forte para a vida, quando nelas a morte eu já não temia. Mas contigo eu desaprendi a desdenhar da vida. Desaprendi a desapegar. Desaprendi a deixar o mar conduzir. E foi enquanto caminhávamos juntos nessa busca incessante pela destruição de quem fui e descoberta de quem eu realmente era, que de repente você ficou pelo caminho. Foi soltando-se aos pedaços, como flor delicada sofre sob chuva forte. Eu me derramava impetuoso sobre você, enquanto você se desfazia. Então de repente você não estava mais lá.

E eu me acordei suado no convés do barco. Escutei a chuva castigar lá fora, e respirei fundo até sentir garras perfurarem meu peito. Era meu eu voltando de onde tinha fugido. De onde você tinha o expulsado para colocar no lugar uma versão minha pintada por você. Me levantei e fui enfrentar a tempestade. E enquanto eu brigava com as ondas, de repente te vi em mim. Estava eu querendo dominar o mar, ditar pra ele qual era o meu lugar. Sem querer tinha deixado de perceber que no lugar de grilhões você tinha me dado algo muito mais perigoso. Você me deu vontade de lutar. Criou dentro de mim força para ser quem eu bem entendesse. Fez com que eu me sentisse capaz de ditar pro mar para onde eu queria ser levado. Me fez querer. Mesmo que pra isso você teve que se perder no caminho. Você foi além dos mares e me resgatou. Mesmo que pra isso teve que se doar no meu lugar. A força que vi nascer de mim tinha uma só origem, e só hoje foi que eu descobri, foi ao te perder que vi que você vive em mim.



Aldrêycka Albuquerque


domingo, 13 de abril de 2014

[RESENHA] A menina que fazia nevar - Grace McCleen



Primeiro livro dessa autora que eu li. Ganhei em uma promoção da editora Paralela no ano passado, e só nesse mês que eu resolvi lê-lo.

Pense em uma historinha leve, com linguagem poética e cheia de fofuras. Judith, a protagonista de dez anos do livro, recebe uma bela dádiva dos céus. Deus passa a conversar com ela e a conceder a menina o dom de realizar milagres.

A trama é muito bem feita, rápida, sem enrolação. A construção do pensamento, de ideias e conceitos super complexos são simplificados pela autora, a um nível que qualquer criança entende. Deus, milagres, amor, perdão, poder, Armagedom, profecias... e fé. Coisas tão difíceis de se explicar, e Judith com sua maquete feita de sucata nos faz entender e refletir sobre tudo isso.

Esse é um livro que te engana. Ele parece bobo, parece simplista, parece maluco. Mas ele é complexo, ele ensina e educa, ele te prega coisinhas na cabeça, que depois são difíceis de sair. Como diz mesmo na capa (muito fofa, por sinal) "Transbordante de tensão e ternura, este romance é em si um pequeno milagre."

E o final, surpreendente! Dá medo, dá pena, dá dúvida. Do tipo de final que vem semi pronto. Você e seu próprio repertório de vida é quem vai moldar e fechar a história. Acreditar ou não, duvidar, pensar, pensar, pensar... Lindo. Leve e gostoso de ler! Indico mil vezes. <3

QUOTES:
"Milagres não têm que ser coisas grandes e podem acontecer nos lugares mais improváveis; os milagres dão mais certo com as coisas simples. Paulo diz: 'a fé é a garantia dos bens por que se esperam, a prova das realidades que não se veem', e se a gente tiver só um pouquinho, outras coisas vão acontecer também. Às vezes mais do que sonhamos."
"Porque a fé é igual à imaginação. Ela vê uma coisa onde não há nada, dá um salto e de repente você está voando."
"...então comecei a falar com Deus. Sempre achei que era só uma questão de tempo até Ele responder. Pensava nisso como uma chamada telefônica de longa distância. A linha era ruim, havia passarinhos sentados em cima dela, caía uma tempestade, então eu não conseguia entender o que a outra pessoa estava dizendo, mas nunca duvidei de que, no fim, iria ouvir. Aí um dia os pássaros saíram voando, a chuva parou e eu ouvi."
"E foi assim que aprendi que tudo é possível (...). Se você acha que não, é só porque não consegue ver como está perto, como só precisa fazer uma coisinha que tudo vai começar a acontecer para você. A fé é um salto: você está aqui, a coisa que você quer está lá. Há um espaço entre você e ela. Você só tem que saltar. Andar sobre as águas, mover montanhas e trazer os mortos de volta à vida não é difícil. Você dá o primeiro passo e o pior já passou, você dá o seguindo e já está na metade do caminho."


PS: O título original do livro, "The land of decoration" também é bem fofo, não é? E a recomendação "Este conto extraordinário me agarrou bem pela garganta."

 




Aldrêycka Albuquerque

sábado, 12 de abril de 2014

escrevo para você



Eu escrevo para calar os meus desejos.
Escrevo para libertar meus prisioneiros.
Escrevo para te fazer me escutar em uma outra dimensão cósmica.

Mas tudo o que eu te escrevo trafega em fios que envolvem o mundo.
Fios que passam pelos céus do teu quintal, pelos céus do meu jardim.
Fios que pássaros costumam pousar e pesar, atrapalhando a mensagem.

E eu fico esperando os pássaros alçarem vôos, para que liberem nossos fios.
Para que minha mensagem chegue a você intacta.
Para que nossa saudade não pegue carona com as aves, e nos deixe.

Eu escrevo para realizar a maquete que construí de nós dois.
Construí duas pessoinhas sem nariz e meio disformes.
Construí duas marionetes das nossas vontades.

Eles não são impedidos de se amarem.
Nossos avatares são instrumentos de tudo o que calamos.
Nossos avatares se permitem serem tudo o que desistimos de ser.

E eu fico só, esperando que nossos fios se encontrem no final.
Para que você me escute, me leia, me decifre.
Para que durante à noite você deite e guarde para si pelo menos uma certeza:

Eu escrevo para você.
Apesar dos prisioneiros.
Apesar dos pássaros.
Apesar dos fios.
Apesar das marionetes.
Apesar das vontades.
Apesar das ausências.

Eu escrevo pra você!

domingo, 30 de março de 2014

[RESENHA] PS Eu Te Amo - Cecelia Ahern




Essa é uma resenha diferente. Vim aqui falar das minhas impressões após ler o livro, tendo visto antes o filme. E não foi um filme qualquer pra mim, ele é um dos meus longas prediletos! Então caso você não tenha nem lido o livro nem visto o filme, melhor não continuar lendo, pois vai encontrar muito spoiler!

[perigo de spoilercaution required!]





Infelizmente achei o livro (2004) inferior em comparação ao filme (2007). Pensei que nunca iria dizer isso na vida, mas parece que o diretor Richard LaGravenese em sua adaptação, conseguiu realizar alguns ajustes no enredo, que tornaram a história ainda mais emocionante nas telonas. Obviamente, algumas cenas adicionadas pelo diretor não foram legais, mas no somatório achei o filme superior. Vamos comentar alguns fatos.

A mãe de Holly – ponto para o livro!
No filme Holly não se dá bem com a mãe, e não tem pai (esse deixou a esposa com os filhos ainda bem pequenos). Mesmo assim, no filme, Gerry (o marido de Holly) confia à sogra suas cartinhas. Isso pra mim não fez muita lógica, principalmente por que Gerry nunca se deu bem com a mãe de Holly. No livro Holly tem uma saudável relação com a mãe e com o pai, eles têm uma família funcional de pai, mãe e cinco filhos (3 homens e 2 mulheres). Daí faz mais sentido o Gerry ter confiado à família dela as cartinhas.



Irlanda x Nova York – ponto para o livro!
Para quem não sabe, a escritora Cecelia Ahern é Irlandesa. E em todos os livros dela (pelo menos todos os 5 que eu li) as histórias sempre ocorrem na Irlanda. Acho isso o máximo!! Porém no filme eles ‘americanizaram’ a história, colocando Holly e Gerry morando em Nova York, apesar de eles terem se conhecido na Irlanda. Até aí, ponto para o livro. Mas gostaria de deixar claro que o filme compensa magistralmente isso, ao adicionar o fato de que os dois se conheceram na Irlanda, e que ao decorrer do filme, Gerry compra passagem para a esposa e as amigas voltarem ao seu país de origem. Daí, somos agraciados com cenas lindas e inesquecíveis dos verdes campos irlandeses, cheios de flores lindas e Gerard Butler com aquele sotaque maravilhoso e de jaqueta de couro... ai, ai... Ops! Foco!! Voltemos à resenha!

As cartinhas – ponto para o filme!
No livro Gerry escreve dez cartas, empacota tudo e envia para a casa dos pais de Holly. Eles não sabem do que se trata quando entrega o pacote a filha. Ao abrir Holly entende que foi o marido quem mandou, e que deve abrir uma carta por mês. Já no filme, genialmente, o diretor faz Holly receber as cartinhas de forma anônima em diversos lugares diferentes, sem ela ter ideia se o marido está enviando elas do além, ou se tem alguém por trás disso. Pra mim, essa atmosfera de surpresa à espera de uma nova carta deu um toque especial à trama.

Os pais de Gerry – ponto para o filme!
Tanto no livro quanto no filme, Gerry não tem muito contato com os pais. No filme, descobrimos que o motivo é que a mãe sente falta do filho no “ninho”, e ainda culpa Holly por ter tomado seu querido filho. No livro ficamos sem fazer nenhuma ideia do motivo da distância entre as duas famílias, ainda tem o agravante deles morarem perto de Holly (diferente do filme que eles moram em outro país). Então achei que o filme resolveu bem esse buraco no enredo.



Daniel Connelly – ponto para o livro!
Gente, esse definitivamente foi um ponto crucial que me fez ficar sem entender como o diretor do filme conseguiu distorcer! No filme, Daniel Connely é um funcionário da mãe de Holly. Um mané, meio retardado, que mais parece um tarado! Ele é completamente sem noção, só fala o que não deve, e tem a maior cara de figurante. No livro, o Daniel é dono de um bar, um cara que passou por poucas e boas, e construiu uma super relação de amizade com Holly. Obviamente eles começaram a se apaixonar, mas nem no filme nem no livro isso terminou bem, falarei mais sobre isso nos tópicos abaixo.

Sobre se permitir apaixonar novamente – ponto para o livro!
Aqui está um ponto importante. Não gostei, definitivamente, da cena do filme que Holly conhece um cara qualquer na viagem que faz para Irlanda, o cara era amigo do marido dela, e ela ainda dorme com ele, se apaixonando só depois. Assim, que nem Nescafé: instantâneo! No livro, Cecelia Ahern teve maior sensibilidade, fez Holly se sentir culpada por se interessar por qualquer um. Mesmo quando ela se vê balançada por Daniel Connely, um cara que ao longo de um ano, deu força a ela, foi amigo, parceiro e dividiu sentimentos. Mesmo assim ela teve medo de entrar em um relacionamento, pois ainda sentia o marido muito presente. Achei esse detalhe muito mais real, e lógico. Muito mais do que você ver uma versão genérica do seu falecido marido em um bar, cantando no mesmo lugar que seu marido costumava cantar, e num piscar de olhos você ir pra cama com a criatura. E ainda descobrir, no dia seguinte, que ele era amigo do seu marido. Haja sangue de barata!



No final das contas, Holly fica com quem? – zero a zero!
Como disse a cima, no livro Holly estabeleceu uma relação excelente com Daniel. Obviamente, no final da história, ele pede a ela uma chance. Ela abre a última cartinha do marido, dando o “aval” dele para ela se permitir apaixonar. Mas mesmo assim, ela tem medo, e foge por um longo mês. Ok, até aí tudo bem. Não fosse pelo fato do Daniel surtar e voltar para a namorada louca, e deixar Holly no vácuo. Ela por sua vez, encontra um cara no supermercado, que deixa a entender que ela vai se apaixonar por ele. Mais uma vez, relacionamento Nescafé detected! Então poderia dizer que em relação esse aspecto, os meios foram bons (relacionamento com Daniel), mas o fim foi decepcionante (Daniel fica com a ex, uma maluca). No filme, como dito a cima, isso ainda foi pior! Então, zero a zero!




Daí agora você vai fazer as contas, e vai ver que por 4 a 2, o livro ganhou. Hahaah Mas posso dizer que foram detalhes, cenas marcantes que fizeram o filme ser mais emocionante do que o livro. Holly cantando com água nos olhos “I love you ‘till the end” no karaokê; Ela encolhida na cama ligando e desligando o abajur; Ela ouvindo incessantemente a voz do marido na caixa postal; Gerry ter comprado passagens para Holly ir à Irlanda (e não para uma praia badalada na Espanha); Holly vendo o marido andar pela casa, mesmo quando ele já tinha morrido; Holly na primeira vez que resolve sair para se divertir depois da morte do marido, no banheiro da boate, agarrada com a urna com as cinzas dele... Foram cenas que o diretor conseguiu levar os sentimentos ao extremo, muito mais do que eu senti ao ler o livro. Por isso chorei como uma louca no filme, e no livro, só marejei os olhos algumas vezes.




Dessa forma, por essa e por outras, o livro vai levar 4 estrelinhas, e o filme levará 5!!!! :-D 
E como recomendação, sugiro vocês verem os dois. Vale muito a pena.



Aldrêycka Albuquerque

quarta-feira, 26 de março de 2014

a âncora ::




"Now he left a hole in my heart 
A hole in a promise, a hole on the side of my bed
Oh but now that he's gone, well life carries on
And I miss him like a hole in the head"



Você lembra da época em que tu andavas solto pelo mundo, pulando de cama em cama, chamando isso de liberdade, e sem saber viver sem ser desse jeito? Se lembra da época em que tu te encantavas por qualquer boca, qualquer história, e saía pelo mundo sendo de todo mundo, e não conseguindo ser de ninguém? As pessoas são interessantes demais para eu ter que ficar preso apenas a uma, você dizia. Te lembras disso? Antes, muito antes de você querer ser meu, e de se dispor a se estabelecer numa relação tradicional tão piegas.

Estive me lembrando dessa época. E não me senti nada importante, nada especial por ser hoje pedaço dessa tua mudança. Não vejo em mim nada de melhor por ter te ajudado a aterrizar. Na verdade sinto justamente o contrário. Me sinto a pedra que te empurra pra baixo, que te prende em um lugar só. Me sinto tua âncora, peso que te impede de sair voando por aí.

Não que eu ache que você fosse feliz naquela época. Não que eu ache que você não seja feliz hoje. Só não consigo deixar de pensar que estou sendo um peso sobre essa tua natureza nômade. Talvez daqui a alguns anos você sinta que eu fui a gaiola que te impediu de voar. Mesmo que você nunca soubesse pra onde ir. Mesmo que teu vôo sempre fosse tão solitário.

Talvez teu passado vá sempre me amedrontar. 
Talvez a saudade da tua antiga liberdade sempre nos assombre atrás da porta do armário. 
Talvez meu amor não seja suficiente pra te fazer ficar por muito tempo.
Talvez a vida te chame, e você vá embora batendo asas, portas e me deixe.

Mas enquanto houver tardes ensolaradas, e sorrisos nos nossos rostos, eu quero estar...
Quero ser teu porto seguro, teu farol na tempestade. 
Quero te dar outro tipo de asas, diferentes das que você costumava ter. 
Quero te fazer sentir que pode ir embora, mas que tem muito mais motivos pra ficar.
Quero que só nós dois para ti baste. Nós dois, e todos que de nós vierem.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Crônicas da vida



É uma verdade universalmente conhecida, que uma mulher solteira estando apenas de passagem em qualquer cidade que não seja a que reside, jamais irá recusar um convite para jantar. Principalmente se for um convite de alguém conhecido, interessante, o qual ela já reserve uma quedinha há alguns uns anos. Não poderia dizer que foi difícil decidirem para onde ir, apenas quando e quem iria convidar quem. Enfim ele  se decidiu, e escolhera qualquer lugar (contanto que fosse perto e cômodo para ele). Ela só aceitou educada e rapidamente. Iria para qualquer lugar, só precisava sair daquele quarto de hotel impessoal e pesado. 

Apesar de se conhecerem há tanto tempo, ainda existia uma fina membrana pegajosa de receios e reservas entre os dois. Com certeza mais da parte dele do que dela, mas ninguém negaria que junto dele ela realmente fica diferente. Enfim, nenhum dos dois estavam muito tranquilos na presença exclusiva um do outro. Era um incômodo tão fino e transparente, que mal conseguiam perceber, poderiam facilmente culpar o calor, a chuva, o trânsito ou a comida ruim. Mas eles nunca estiveram cem por cento ali, sempre escondiam algo. Mas naquele dia foi diferente. A represa estourou e nenhum dos dois sabia direito como nadar.

Ambos começaram falando do óbvio, como sempre faziam. Coisas superficiais que iriam acabar desembocando em uma acalorada discussão sobre o que cada um deveria melhorar, ou o que cada um tinha de diferente e melhor que o outro. É verdade que não eram assim tão escancarados, as discussões tinham um nível de abstração tão rebuscado que eles geralmente só entendiam que passaram horas se alfinetando, à noite, naquele tempinho antes de pegar no sono, quando finalmente juntavam um comentário ácido com o mal estar que sentiram, e tudo passava a fazer sentido. Mas eles nem deixavam de se falar por causa disso, ou de se gostarem menos. Só não se aceitavam por inteiro. Cada um tinha sua lista de melhorias e inaceitabilidades a respeito do outro. Era ela que pensava demais e não agia; Era ele que agia demais e tinha pouco tempo para pensar. Era ela que não se aventurava; Era ele que vivia se jogando destemido na vida (e nas camas alheias). Eles não se aceitavam, mas em algum nível subliminar eram apaixonados um pelo outro.

Apesar da conversa de sempre ter surtido o efeito de sempre, ao saírem do restaurante eles fugiram do script. Ela deveria ter entrado rapidamente no primeiro táxi, e deixado ele plantado em pé de frente a porta, enquanto ela lembrava de se despedir dele, e com um beijo no rosto eles se deixavam insossos e insatisfeitos. Mas naquele dia foi diferente. Parecia que todos os táxis tinham sumido, e a etiqueta exigiu que ele esperasse um com ela. E o que começou com uma noite fria, sem táxis e um ensaio de uma garoa, descambou nela nos braços do rapaz. Assim, naturalmente, como se fossem acostumados a isso, como se tivessem intimidade e acesso aos corpos um do outro. Ninguém diria que era o mesmo casal que mal se tocavam à mesa, no restaurante atrás deles dois. Ali eles se acessavam como se já conhecessem o caminho. E havia um acesso livre mútuo ali, ambos conheciam a estrada e estavam dispostos a percorrê-la enquanto desse. Enquanto não se acordassem e visse que tinha sido imaginação ou alucinação. Mas era verdade, eles estavam juntos. 

Todavia não deixaram suas essências, uma hora deixaram um a boca do outro, e ainda entrelaçados, surgiu um convite para ela ir para a casa dele. Ainda era o rapaz de sempre. Ela respirou fundo tentando sufocar todo o desejo que sentia, e sua resignação informou que não iria. Que ele pensasse melhor nisso hoje e que se amanhã ele sentisse o mesmo, se pela manhã restasse ainda alguma coisa, ligasse pra ela. Ainda era a moça de sempre. Ele sentiu uma névoa de arrependimento cair sobre eles, e quase tomou os beijos de volta e soltou a moça no meio da rua. O táxi do alívio apareceu, poupando os dois de mais embaraços. Ela entrou sem cerimônias, apenas um aceno leve com o queixo e foi embora atravessar aquela cidade estranha e odiosa. Naquela noite ela demorou um pouco mais, mas dormiu um sono denso, pesado e arrastado. Acordou com um buraco que transpassava do estômago à alma. 

O rapaz não conseguiu dormir. A cada minuto ele amaldiçoava o minuto que a beijou. Foi inconsequente, sabia que não deveria ter feito isso. Como esquecer tudo isso agora? Como se livrar dela, da sua presença, seu cheiro e seu gosto? Precisou muito mais que água, sabão, cerveja e uma noite inteira em claro. Ele simplesmente não conseguiu esquecer dela, do que fizeram, e principalmente do que sentiram. Já era manhã e ele não conseguia tangibilizar em palavras o que tinha restado da noite anterior. Mal conseguia discernir o que tinha acontecido do que ele tinha imaginado, o que tinha de fato ocorrido do que ele tinha pensado em fazer mas não fez. Ele mais uma vez não tinha o que dizer, iria escolher o caminho mais curto do silêncio, era seu dispositivo de auto preservação falando mais alto. Era ele fazendo papel do homem que ele decidiu ser. Mas esqueceu que ela continuava sendo a intempestiva criatura de sempre, que só esperou dar dez horas para enviar um dolorido "o que sobrou?" para ele.

Não posso dizer que ele não pensou por pelo menos quarenta minutos em simplesmente ignorar a mensagem, como tantas vezes já tinha feito com textos e quotes que vez por outra ela resolvia mandar para alfinetá-lo. Ele não respondia e fingia não ligar. Ela esquecia e fingia acreditar que ele simplesmente não se importava. Mas naquele dia foi diferente, ele não conseguiu se conformar com o silêncio. Resolveu que aquele seria o último dia daquela relação de borda deles dois. A partir de hoje eles iriam ao centro de tudo, iriam mais fundo, não importa se ele iria se expor, ele resolveu enfim se desarmar. Marcaram um almoço em um lugar claro de toalha de mesa florida. Por mais indigesta que seria aquela conversa, por menos apetite que eles tivessem, foram lá os dois. Dessa vez ele escolheu um lugar que era longe para os dois. Talvez para dar a ambos tempo, na ida para decidirem o que falar, e na volta para se arrependerem do que não disseram.

Eles se cumprimentaram com um beijo murcho no rosto. Ele mal conseguia sustentar aqueles pequenos olhos nos dela. Ela foi quem levantou a bandeira branca, ao procurar a mão do rapaz em cima da mesa, e com aqueles olhos enormes cheios de vida dizer "então, o que restou?". Era final do Fla-Flu e era só o rapaz e a bola no Maracanã lotado. Seria apenas chutar para o gol, caso não houvesse um exército de dúvidas e neuras o impedindo de marcar o gol. Ele respirou fundo, fechou os olhos e chutou com tudo. E foi o pênalti mais lindo visto apenas por duas pessoas.

"- O que sobrou... Não sobrou muita coisa de ontem. Na verdade eu mal consigo lembrar o que de fato aconteceu, e o que eu só apenas imaginei. Eu passei a noite em claro lembrando até do que não aconteceu. Repassei cada palavra que você falou, cada uma que eu não disse, cada... beijo... nosso... E sinceramente, não sei se restou alguma coisa... intacta! Está tudo mexido aqui na minha cabeça, então resolvi voltar e pensar o que tinha aqui dentro, antes de tudo isso. Então percebi que tinha muito mais do que eu imaginava, ou melhor, muito menos... Na verdade tinha um buraco do tamanho de Júpiter aqui em mim, que eu mal percebi enquanto você o escavava. Você de pá em pá levou pra si tanto de mim, que eu nem saberia precisar. Ficou só um espaço que eu não consigo mensurar. Então primeiro eu me revoltei, como é que você ousa me roubar de mim! Mas então percebi, a verdade sempre esteve na minha cara e eu não percebi. Você não abriu o buraco, você o descobriu. Ele estava encoberto até então. Por isso eu sentia aquela sensação de perda, de insuficiência depois das nossas conversas. Não era você que me deixava mal, ou nossas conversas. É que só do teu lado é que eu dava conta do buraco que existia em mim. Não que junto de você eu me sinta incompleto, não é bem isso. Na verdade, era isso mesmo que eu pensava. Era. Mas isso foi antes. Antes de ontem, de tudo aquilo... Eu enfim percebi que junto de você é onde eu me sinto completo. Como se junto de você eu tomasse posse de um pedaço de mim que até então eu não sabia que faltasse. Você me completa, entende? Com você eu... eu me sinto em casa... eu vejo um outro pedaço de mim olhando pra mim. Você preenche o que só você me fez perceber que me faltava. Eu não sei se você sente o mesmo, provavelmente não desse jeito, mas... Bem, eu precisava falar tudo isso. Pois foi isso que sobrou. Foi isso que restou da gente... pra mim. Eu sei que isso agora é muito pra qualquer um de nós poder digerir... Mas precisaremos encarar isso, nada mais vai ser como antes. Eu quero você do meu lado, eu quero você, está entendendo?"

A moça que sempre tinha as melhores respostas simplesmente ficou sem palavras. Não precisava, ele falou tudo o que ela sentia. Eles só ficaram ali se encarando, com olhos marejados e o coração aos pulos. Resolveram ir embora só tomando uma água. Água é imprescindível nesses momentos. Muita água e calma. Eles tinham todo o tempo do mundo, estavam estreando o primeiro dia da vida deles juntos. Aprenderam a andar com calma e a não economizar palavras quando fosse pra falar do quanto se gostavam. E seguiram. Enquanto uma vida inteira estava se abrindo vagarosamente para eles. E tudo foi diferente depois daquilo. Enfim ambos puderam responder a pergunta crucial, o que tinha sobrado? O que restou? Restou uma vida inteira.


Aldrêycka Albuquerque

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Destino se inventa

O primeiro texto do ano chega com oito dias de atraso. E nem é de minha autoria! Mas é tudo o que eu gostaria de falar. Então faço minhas as palavras do querido Ivan Martins. Enjoy it!



 

Destino se inventa

Se eu fosse mulher, tivesse 30 anos e não estivesse num relacionamento sério, minha lista de planos para 2014 começaria com quatro palavras: arrumar uma relação legal.

Imagino, claro, que a mulher de 30 se parece comigo na idade dela: meio carente, um tanto romântico e cheio de planos para o futuro. Planos, que, no meu caso, incluíam alguém para partilhar a vida.

Há muitas pessoas que não sentem assim, evidentemente. Há caras e garotas que vivem bem sozinhos. Tão bem, na verdade, que não desejam juntar os trapos e se comprometer. Eles transam quando querem, ficam bem sozinhos e extraem da sedução frequente aquela satisfação que outras pessoas só encontram na intimidade duradoura com uma mesma pessoa – por mais que ela traga seus próprios problemas.
Não é raro que se tenha inveja desses sedutores solitários, mas suspeito que eles, de vez em quando, também gostariam de ser diferente do que são.

Mas, se você sente que não nasceu para circular de forma autônoma, se você, no fundo da sua alminha inquieta, percebe aquele desejo ancestral de acasalar e (quem sabe?) fazer família, temo que a única solução para 2014 seja procurar um par.

Parece absurdamente óbvio o que estou dizendo, mas, acreditem, não é.

Estou cansado de conversar com mulheres de 30 anos que parecem ter desistido do projeto casal. Falam em adotar sozinhas uma criança, congelar óvulos ou viver avulsas para sempre, navegando entre um casinho e outro, entre um e outro site de relacionamento. Estão jogando a toalha, como se dizia antigamente – embora sejam jovens, atraentes, interessantes, bem sucedidas no trabalho. Um paradoxo de saias.

O que elas contam é que chegaram a uma idade em que é preciso tomar decisões, mas não há em volta delas sujeitos que queiram dar um passo adiante – ou, frequentemente, sujeitos com quem elas gostariam de dar o tal passo. Homem sempre existe, diz uma amiga minha. Mas cadê o homem que a faça sentir apaixonada? Ou que, tendo penetrado a couracinha afetiva dela, não se mostre mais interessado em seguir livre, rompendo outras couraças por aí?

A vida não é simples, naturalmente. Frequentemente, porém, ela tem solução. Que, neste caso, pode estar na atitude.

Acho que nós, homens e mulheres do século XXI, ainda temos um olhar adolescente para as relações afetivas. Queremos que nos caia do céu um romance arrebatador, pronto e completo, sem contradições ou dúvidas. Sem defeitos constrangedores também. Exigimos ser amados pelo que somos, mas estabelecemos condições elevadas para amar. Tendemos, de forma tola, a nos apaixonar pela beleza, pelo charme, pelo riso. Apostamos no clichê e na superfície, mas aspiramos ser tratados de outro jeito: queremos ser apreciados pela profundidade dos nossos sentimentos e por nosso caráter.

Outro tipo de atitude é possível, porém.
Outro dia, conversando com uma amiga sobre o casamento dela – que já tem 10 anos – ouvi algo surpreendente. “Eu tive muita sorte”, ela me disse. “Meu marido é um cara maravilhoso, mas eu poderia ter amado alguém muito pior.” Vocês percebem como é generosa essa última frase? “Eu poderia ter amado alguém muito pior” significa, essencialmente, que ela estava pronta quando o sujeito apareceu. Ele não precisava ser rico, lindo, heróico. Seria suficiente que a encantasse – e ela, lindamente, admite que não teria sido difícil. Um bom homem bastaria.

Acho que há nessa história ainda mais do que parece.

Nela se manifesta a disposição da mulher – embora pudesse ser do homem – de inventar o seu próprio destino. Acho que o romantismo pueril disseminado à nossa volta (em conversas, filmes, novelas, livros e até colunas da internet) nos transforma em criaturas passivas diante da nossa própria vida.

Agimos como se o amor fosse um evento externo à realidade. Partilhamos a convicção estranha de que diante do amor não temos nada a fazer. Acreditamos que a única atitude frente ao afeto é esperar que ela apareça. Não entendemos esse aspecto da existência como algo sob nosso controle - embora ele seja mais uma etapa da existência, outra experiência essencial da qual não faz sentido abdicar, mas diante da qual não deveríamos apenas sentar de boca aberta, embasbacados e passivos.
 

Em outras palavras, me ocorre que construir uma relação estável é como terminar o colégio, escolher a faculdade, lançar-se a uma profissão, sair da casa dos pais: uma experiência que precisa ser praticada, tentada, pensada e, de vez em quando, improvisada e remendada. Ao final, talvez, aceita da forma como apareça.

Logo, se eu fosse uma mulher de 30 anos sem uma relação estável - ou um homem da mesma idade e na mesma situação –  olharia em volta neste primeiro dia do ano da graça de 2014, seja na praia chuvarenta ou na rua ensolarada da cidade, em busca de alguém com que eu quisesse passar os próximos dez anos.

Ele ou ela pode estar pertinho. Ou não. Mas é certo que essa pessoa existe, porque não se trata de um semideus ou de uma criatura engendrada pela Providência. É um homem ou uma mulher comum, como tantos, a quem você concederá, de forma particular e única, embora não irrefutável, o privilégio do amor. A quem você oferecerá o direito a partilhar alguns dos momentos mais importantes da sua vida – e que receberá, atônito ou comovida, a honra do seu amor. Estar com ele ou com ela será infinitamente melhor do que jogar as mãos para o alto e desistir. Aliás, como regra não se desiste da vida, nem das coisas que a tornam importante.