domingo, 13 de julho de 2008

Cristal Quebrado



Porcelain


Nove anos de idade, batom da irmã mais velha nos lábios e perfume barato da mãe já falecida. Talvez a única herança que uma mãe drogada poderia deixar. Sempre muito bem arrumada dentro das poucas roupas que tinha. Tudo para esconder sua pouca idade.


Pai ausente, sempre tentando sustentar sua família, sempre querendo prover o pão. O coitado esquecia que suas duas filhas também precisavam de amor, educação, princípios. Dia e noite a trabalhar, durante o dia vendia frutas frescas na feira, à noite vendia cigarros contrabandeados na porta do bordel da esquina.


Letícia era linda. A caçula. Pele branquinha, cabelos negros, boca naturalmente vermelha. Temperamento explosivo, a garotinha de nove anos queria ter dezenove. Caprichava no tamanho da saia, atiçava os garotos da vizinhança. Se auto-intitulava mulher. Queria crescer e ter muito dinheiro, casar com um homem lindo, rico, e viver desfilando pelos shoppings vestindo roupas caras. Ela não via a hora de ir para a cidade grande, nem que para isso precisa-se fugir de casa.


Aos treze anos conheceu o Álvaro, mulato na faixa dos quarenta e cinco anos, desquitado, filhos espalhados por aí. Trabalhava de motorista num grande mercado da cidade com filiais por todo o estado. Letícia tinha brilho nos olhos ao vê-lo. Ele já tinha comprado para ela roupas, sapatos e outros mimos. Além de ter comprado sua inocência. Era o homem da vida dela. Ele tinha dinheiro, ela estava feita.


Aos catorze, Letícia morava numa cidade vizinha com o Álvaro. Grávida de sete meses, nunca havia pisado em um hospital para fazer pré-natal. Ele a bate todos os dias. A vida não era aquela que ela imaginava aos nove.


Chegam os esperados dezenove anos. Agora não precisa mais esconder sua idade, ninguém acredita que ela só tenha dezenove. Três filhos. Mora sozinha, Álvaro a deixou. Trabalha o dia inteiro em uma lanchonete, sobrevive com duzentos reais mais algumas gorjetas. Ao ver sua filha mais velha, lembra de si mesma e todos os seus quereres de infância. Ela chora. Ela poderia ter feito diferente.


8 comentários:

Anônimo disse...

Espero que ninguém morra dessa vez. Mas com uma vidinha medíocre dessas hein... sei não...

Anônimo disse...

texto lindo, expressivo e claro triste, é ver que nem sempre podemos sonhar demais... agir e fazer a diferença... e não buscar conforto em outra pessoa...
se ela tivesse tomado o rumo dos estudos e do aprendizado... nao passaria por tudo isso a inocência dela foi vítima... vítima de um mundo capitalista.

Anônimo disse...

É triste lembrar que essa é a realidade de muitas crianças. Sem perspectivas seguras de vida, trazem em mente uma ilusão, uma vida que só existe em conto de fadas. Mal informadas sobre a maldade do mundo(algumas vezes até que não), deixam se levar por pessoas mal intencionadas. Perdem tão cedo a doçura e a inocência infantil.

A infância é sagrada pra mim, e na minha opinião, quem a perde assim tão rapidamente, leva uma marca na alma pelo resto da vida.

Lily disse...

e existem taaaaaaaaaantas dessas por aí! infelizmente...


bjksss

Anônimo disse...

Nossa história completamente triste, mas é isso mesmo... as pessoas muitas vezes são capaz de fazer de tudo pra ter dinheiro, shopping... homem lindo e quando consegue isso... a vida não faz sentido pois muitas vezes é só sofrimento... Quero saber o resto da hisória... cheguei atrasada a outra mas li ela... e achei linda, mesmo com o final triste, quando se gosta de alguém se faz de tudo... cada vez acho isso mais verdade.

Beijosss

Nathália E. disse...

Bom, ela ainda pode fazer diferente.
É só alertar a filha...
Porque pra ela tá difícil...

Beijo!

Alessandra Castro disse...

Fatos da vida heim? Em todo lugar e em cada momento percebemos pessoas assim. Triste.

Gisely disse...

Parabéns, muito bom seu texto
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