Beatriz custou a acordar naquela
manhã. Se revirou na cama alguns minutos, tentando encontrar por ali algum
punhado de sono, mas não achou. Sentou-se na cama, e suspirou: esse seria um daqueles
dias nostálgicos com gosto de café e livro velho. Daqueles que mesmo com sol e
calor lá fora, você sente aquele frio na espinha. Na verdade, Beatriz se sentia
imersa num profundo Outono. Despedaçando restos secos do passado numa tentativa
desesperada de abrir passagem pra uma primavera longínqua que ela não sabia
quando, mas tinha certeza que iria chegar.
Pulou da cama pro chuveiro.
Tentou lavar dali toda a angústia. Quinze longos minutos depois, saiu de lá
enrolada numa toalha vermelha, secando os cabelos com a toalha que Pedro sempre
usava quando estava por ali. Ainda friccionando freneticamente a cabeça, passou
pela estante do quarto, e puxou um livro da Jane Austen. Pelo estado que estava
aquele livro, parecia velho o suficiente para o dia de hoje. Talvez fosse um
transtorno psicológico, mas pra Beatriz angústia combinava bem com livro velho.
Provavelmente o cheiro de livro velho fosse uma forma involuntária dela se lembrar
que as mágoas do seu passado se foram, mas as cicatrizes ainda doíam. Sacou da
gaveta uma camiseta, vestiu o jeans que tinha jogado em cima da cadeira na
noite anterior. Saiu trotando pela escada, agarrada com Orgulho e Preconceito,
que já tinha lido tantas vezes que o livro estava só bagaço. Tomou um copo de
café, e saiu caminhando pelas ruas que conhecia tão bem, mas que naquele dia
pareciam tão pouco familiares.
Ao subir no elevador panorâmico
do escritório onde trabalhava, Beatriz se lembrou dos dias em que contava
telhados por entre os vidros da janela do seu quarto. Teve vontade de chorar.
Relembrar os dias em que seu coração ainda não tinha tantas cicatrizes, dias em
que sua família ainda estava por perto, e quando ainda sentia o calor da segurança
que seus pais transmitiam. Agora ela estava sozinha, e a única pessoa que a
fazia lembrar do conforto que era ter uma família, tinha desaparecido como quem
se teletransporta para outra galáxia. Como isso poderia ser possível? Um dia
ele reclamava por ter que tomar banho com o sabonete com aroma de baunília
dela, e como isso o deixava irritado, como é que ela não sabia comprar um
mísero sabonete sem cheiro de comida. No outro dia ela se acorda sem ninguém
resmungando no box do banheiro. Como pode ser possível perder alguém que era
tudo na sua vida, e simplesmente não cair morta na mesma hora? Como ela
conseguia respirar, ficar de pé e ir trabalhar? Como é que ela se atreve a ler
um livro e caminhar viva pelas ruas? Como é que toda sua vida é sugada por um
buraco negro e ela consegue estar de pé? A porta do elevador se abre, e Beatriz
volta do seu devaneio ainda com os olhos
marejados.
Ela sai andando pelos corredores do
prédio como que no piloto automático, vai até sua mesa, e desaba na cadeira.
Pelas próximas oito horas ela teria uma bela válvula de escape para se entreter.
Pilhas de papéis, prazos e projeto para entregar. Nada melhor que o trabalho
para te fazer esquecer que você tem uma vida.
Aldrêycka Albuquerque
3 comentários:
Drika parabénsssssssssssssss sou sua fã
kel
Que massa amiga, com certeza será um sucesso.
Parabéns, vou ser a primeira a comprar, viu?
Beijos
Escrevendo um livro? tenho certeza que será ótimo, só este começo me deu vontade de ler mais. Já gostei da Beatriz, ela tem um bom gosto lendo Austen e ainda mais o meu favorito Orgulho e Preconceito!!!
Bjos!!!
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