Ela caminhava docemente pela alameda fervilhando de carros, fumaça, ambulantes e urgências de todos os tipos. Deslizando suavemente pelo asfalto, como se ali não pertencesse. Beatriz com os pensamentos nas nuvens, como sempre, questionando o caos do Universo, não se apercebe a figura que a segue. Ela chega a seu destino, naquela ruela quente, cheia de ladrilhos e mesinhas redondas de ferro pegando o fogo pelo sol de meio-dia. Ela entra no restaurante a procura de um abrigo refrigerado, no momento em que o vê. Pedro, ao seu encalço, entrando logo atrás dela. Sorrindo aquele sorriso de mil brancos dentes. Sonoro e tão bem apessoado. Ela não teve tempo de esboçar reação, se virou e procurou uma mesa o quanto mais distante possível. Ele franzio o cenho sem entender a rabiçaca, mas a acompanhou e sentou ao seu lado na mesa. Beatriz sacou sua distração, e pelo telefone delisava o dedo freneticamente, como se realmente estivesse entretida e não tivesse percebido aquele homem todo ali na sua frente.
Se deu a partir dali então, uma série de curtas frases, cheias de dúvidas e à força ignoradas. Beatriz mal tirava os olhos do aparelho, como se tivesse ali nas mãos um escudo contra aqueles olhos inquisidores. Dez minutos depois, enfim ela soltou a respiração. Não mais doía. Só precisou de dez minutos pra perceber que a ferida já não mais sangrava, já não mais ardia. Soltou o telefone na mesa, e abriu um sorriso de quem acaba de ser liberta. Tal mudança repentina de estado de espírito confundiu Pedro. De capataz passou a ser a presa, por um segundo sentiu a espinha arrepiar, talvez seus anos de tortura tenham acabado. A antiga presa indefesa tinha partido as correntes dos próprios pulsos. Acuado quem estava agora era ele. Frente aquele sorriso de mil estrelas daquela que por tanto tempo só tinha olhos grandes, medo e esperança estampados no rosto inocente.
Beatriz sorriu. Sonoramente. Era um aviso claro de que nada mais era como antes. Ela tinha saído da gaiola onde estivera presa por tanto tempo. Gaiola que só esteve trancada por um cadeado feito de papel, medo, dúvida e imaginação. Ela se soltou de uma prisão que tinha feito para si mesma. E enfrentava seu inquisidor com um sorriso de quem encontra a chave da própria liberdade. Beatriz olha para o rosto de Pedro agora sem medo de se perder por entre aquelas linhas da expressão dele. Percebe que ele não passa de um cara normal, igual aos outros. O coração dela se aqueceu. Não via a hora de falar em alto bom som: não me prendes mais a teus olhares. Não me fazes mais tremer as pernas. Sou só minha agora.
Tomou um gole da água que pedira no restaurante, sentiu o gelado lhe descer a garganta. Olha nos olhos do seu antigo capataz e dispara, com um sorriso no canto da boca: -"Já era em tempo do deslumbre sucumbir e a tinta descascada na parede úmida enfim se mostrar".
Pedro sorri tristonho, entendendo as palavras poéticas, como sempre, tão bem aplicadas. Ele se levanta e sai dali. Por sete maravilhosos anos ele não mais apareceu. Só virou as costas largas e seguiu com sua vida. Por sete-longos-anos.
Aldrêycka Albuquerque
Um comentário:
Menina que lindo ficou esse blog! Sério, tá com um visual lindo.
e adorei o texto de hoje, mas preciso comentar o post anterior! Parabéns pela publicação! Arrasou!
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