O Abismo do Pensar e Sentir
Não vim aqui (deliberadamente ou não) me desculpar por ter te esquecido.
Na verdade vim me questionar o porque de não ter te esquecido antes!
Talvez tenha sido subconscientemente premeditado.
Desde quando estávamos ali, no escuro...
Eu enlaçada nos teus braços,
Com a cabeça no teu ombro,
Sentindo o cheiro bom que você tem.
Desde aquela época.
Desde lá não teve frenesi,
Não teve nenhum "Caramba, finalmente".
Só nós dois ali juntos, e eu pensando:
"Ah, aproveita, vai durar a velocidade de um raio ao atingir a Terra."
"Ah, aproveita, não é de verdade."
"Ah, aproveita, mas não tem de ser."
E então você evaporou.
Virou areia e foi levado pelo vento.
Fiquei ali do lado, ainda com um punhado de grãos de você na mão,
Cabelos alvoroçados pelo temporal.
Custei a entender que tinha passado, que não ia voltar.
Saí fazendo promessas ao vento, prometi e comprometi minha felicidade, minha sanidade,
Só queria você de volta.
Mas você já tinha ido. E continuava ali de alguma forma.
Foi espalhado partes de você por todos os lugares.
Tinha você nas árvores, no rio, na rua suja...
Tinha você quando os carros passavam rápidos na rodovia,
Tinha você na minha pele e na minha roupa.
Tinha você dentro do vidro do meu perfume.
Então apesar de você ter ido embora, restava pedaços seus por aí.
Eu demorei pra entender isso. E quando enfim percebi, foi até pior!
Fui te recolher enlouquecidamente!
Como Jackie Kennedy recolhendo os miolos do marido.
Eu não sabia o que fazer! Precisava te juntar denovo.
Corri na rua, na árvore, debaixo da cama, nos perfumes, cadernos antigos.
Precisava te reunir, cada pedaço de você que passei a perceber a minha volta.
Sorrisos nas bocas de outrém, irís nos olhos de um qualquer.
Eu só queria pegar tudo, juntar aqui comigo. Te ter de volta, só mais uma vez.
Só pra te dizer que doeu tanto tudo aquilo.
Só pra te dizer o quanto saí magoada, o quanto penosa foi minha vida naquela época.
Então falei, gritei, cuspi tudo o que tinha guardado.
Falei pra maquete que fiz com restos de você.
Tinha um fio de barba, um cheiro doce numa roupa, um pedaço de papel e uma embalagem vazia de ketchup. Aquilo tudo era você.
Então saí gritando barbaridades!
Palavras indizíveis que vieram se amontoando há anos na minha boca, na minha alma!
Falei tudo e desmaiei ali mesmo. Quão cansada eu estava!
Quando acordei aquela maquete sua não passava de um amontoado de objetos sem vida.
Os restos de você que tinham neles, desapareceram.
Agora era apenas um altar pagão esquecido pelo tempo.
Chutei tudo com o pé até um montinho de lixo ali perto e fui embora limpando a poeira dos joelhos.
Parei de catar você pela rua.
Parei de juntar miolos soltos. Já era meio desmiolada mesmo, só aceitei os fatos.
Então parei com tudo aquilo e segui em frente.
E nem senti falta. E nem doeou mais os ossos.
Nem mesmo quando passei um dia pela rua e tinha uns restos nossos pendurados numa árvore aqui perto. Passei direto como se aquilo fosse o passado injeitado de um alguém qualquer.
Ignorei e segui em frente.
E sigo assim até hoje.
Aldrêycka Albuquerque
3 comentários:
Passo por árvores assim, mas fico mais feliz quando consigo olhar para elas sem inquietações, quando passado vira apenas uma paz.
Cada dia escrevendo melhor. Parabens! E o novo layout ficou show! Super clean e bem amigável.
drêycka, acho engraçado que as vezes nos deixamos levar em determinadas relações que estão fadadas ao fim desde o começo. é como se nos jogássemos de um abismo sabendo que vamos sofrer. de alguma maneira, esses relacionamentos tem algo que nos faz acreditar que vale a pena.
muito obrigada pelo carinho lá no blog. elogio vindo de você sempre foi bão demais. sempre adorei aqui...
Beijoca
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