Ela exige demais de mim. Pega no
meu pé. Me lembra de tudo o que não sou, de tudo que não vivi. Fala que eu não tenho jeito, que perdi o bonde, que todos foram e eu fiquei.
Ela me pega pela palavra, pela ponta da língua e me humilha. Me mostra tudo o que não poderei ser, tudo o que deveria ter
feito. Me esfrega na cara tudo o que eu poderia estar fazendo e não faço. Por medo, por preconceito, por comodismo. Por fraca que sou.
"Então dê o que ela quer, oras!" Não. Ela uma hora vai embora, e eu fico. Fico aqui com as consequências enquanto ela vai embora importunar
os outros. Pra quê se importar com alguém que chega e vai embora sem se dar o
trabalho de pensar em você?
Mas se hoje ela vai, outra hora volta. E se volta mais forte e cheia de
urgências? Mas quem seria eu se não soubesse lidar com as urgências dela? Como poderia então eu lidar com as minhas próprias urgências
e administrar as urgências dos outros sobre mim, se nem as delas eu sei
sucumbir?
Enquanto isso a sufoco... Com um travesseiro de pena de
ganso, docemente sufoco todos os desejos malucos dela e todos os sonhos
impossíveis que ela quis pra mim. Mato essa versão de mim todos os dias, quando tantas vidas que não
vivi, sorriem pra mim assim faceiras. Sufoco essa versão torpe de mim, quando tantos sonhos dos outros
me são emprestados com o único propósito de me sentir distante.
Não sei se em algum Universo paralelo, desses que cruzamos todos
os dias sem sentir, ela se encontra feliz. Menos reclamona e mais satisfeita com a vida. Não sei se nossa coexistência seria pacífica em qualquer esquina cósmica
que fosse, ou se continuaremos assim em pé de guerra por toda a eternidade. Em
qualquer Universo que seja. Será que um dia estarei em paz
com todas as versões que contêm em mim?
Aldrêycka Albuquerque