sexta-feira, 30 de agosto de 2013

La mer...



Eu sabia que uma hora viria aqui falar de você. Não tenho como escapar, é minha sina escrever sobre sentimentos para fazê-los oficialmente existirem no universo. Parece que até antes de ser escrito o sentimento não existe, ele paira entre nós esperando algumas letras e palavras para que ele possa encarnar. E eis a encarnação do que sinto por você.

Você é lindo. E não falo apenas do exterior. Você exala beleza, bons modos, felicidade autêntica e um sentimento doce de "vida resolvida". Você é leve. Seu sorriso mostra a qualquer um que queira ver, que sua existência aqui na Terra é leve, leve... E isso tudo é contagiante. Ao mesmo tempo que me dá um medo. Parece que ofusca meus olhos todo esse brilho. Parece que me dói nos ossos essa tua energia de vida. Toda a minha amargura olha pra você e não encontra lugar. E você sabe, sou feita de verdades, sentimentos doces, mas também flocos amargos que guardo a sete chaves. Uma amargura que levo como um troféu, como se fosse o graal que me faz única, sacra. Provavelmente estou errada, ficar perto de você só me mostra que estou estrondosamente errada. 

E você falando, falando. E eu só vendo a mais pura liberdade e ousadia sair da tua boca. E eu encolhida, enrolada como um tatu entre as pernas geladas dos meus tabus, dos meus medos. Você e esse seu sotaque desenvolto, eu amarrada na camisa de força feita das minhas dúvidas. Você sorrindo, e eu com olhos perdidos, procurando na noite onde foi parar minha coragem. Você se jogando livre dos céus. Eu presa com minhas incapacidades esperando vir do céu todas as respostas que preciso. Enquanto não me mexo. Engessei nessa minha vida baseada em procurar as palavras escondidas por trás das palavras. E perdi de ouvir o que você dizia. Perdi de te devolver um sorriso verdadeiro.

Mas não te entristeces por minha culpa. Segue em frente, que se eu conseguir me libertar dos meus medos a tempo, eu te encontro no meio do caminho para o mar. Pois é no mar, dentro das águas salgadas, que nos dispimos e somos um. Lá, não passamos de pedaços da mesma matéria. No mar você me encontra do mesmo jeito que vim para essa vida. Leve e preparada para uma vida novinha em folha.


Aldrêycka Albuquerque

domingo, 18 de agosto de 2013

Por que Jane Austen não me deixou gostar de Emily Brontë





Duas moças inglesas. Uma chamada Jane Austen, nascida em 1775 em Hampshire. A outra, Emily Brontë, nascida um ano e doze dias após a morte de Jane Austen, em 1818 em Yorkshire. As duas moças tinham pais religiosos. O pai de Emily, um clérigo anglicano, já o de Austen, um pároco também anglicano. As duas moças começaram suas vidas literárias muito cedo, tendo começado a escrever suas obras mais famosas em torno dos vinte anos. Infelizmente ambas também morreram cedo. Austen morrendo possivelmente da doença de Addison em 1817, aos 41 anos de vida. Emily Brontë, por sua vez, morrendo aos 30 anos de idade em 1848, depois de um resfriado que virou uma tuberculose e que se recusou a tratar. Ambas as moças não aproveitaram em vida todo o sucesso que adviria de suas obras literárias. No caso de Jane, seis obras completas, no caso de Emily, apenas uma única obra. E por aqui terminam as semelhanças entre as duas moças.


Apesar de um contexto tão similar, as duas escritoras tomaram rumos bem diferentes. Começando pelas obras, Jane Austen sempre foi consagrada por suas tramas que sempre prezavam a virtude, o amor, a justiça e o caráter. Emily Brontë por sua vez, com sua única obra O Morro dos Ventos Uivantes, conseguiu chocar toda a sociedade vitoriana da época. Uma trama cheia de ódio, inveja, remorso, um tipo de amor torpe e amargo, a falta de caráter e amor ao próximo é o que encontramos em seu livro. É uma obra tão sombria e amarga, que foi inicialmente publicada com autoria masculina, o que poderia ser mais facilmente aceito pelo público. Só depois ficou claro que todo aquele enredo amargo e personagens anti-heróis foram concebidos por uma moça tímida de vinte e sete anos, a Inglaterra ficou chocada.


“Em 1847, Emily Brontë chocou o mundo da literatura inglesa com a publicação do seu romance O Morro dos Ventos Uivantes. O que o público viu foram novos tipos de heróis: uma marionete tirânica do mau, o próprio Satã humanizado, e uma instável mulher casada à procura do seu amor perdido. Certamente, nada do que se pode considerar como o típico estereótipo de um casal vitoriano do século dezenove.” (traduzido de Céu e Inferno: uma criação humana)



Ao se analisar as moças, de um lado nos deparamos com a carinhosa “tia Jane”, tão bem relacionada com seus amigos e familiares. Uma querida não só por sua irmã Cassandra, mas também por sua sobrinha, irmãos e amigos. Em todos os relatos da vida da Jane Austen encontramos uma moça íntegra, cristã, simpática e verdadeira. Todos só tinham os melhores elogios a tecer sobre seu caráter. Mesmo quanto estava perto da morte, moribunda, acreditava em sua recuperação até o final. E em suas últimas palavras, depois de lutar de todas as formas por recuperação, não temeu a morte e disse, entre as muitas dores que sentia “Não quero mais nada além da morte”.



Abriu a boca com sabedoria e a lei da clemência estava em sua língua.”

(Inscrição no túmulo de Jane Austen)



Do outro lado temos a sombria Emily Brontë. Uma moça tímida ao extremo, que costumava não olhar nos olhos de ninguém. Era conhecida por ter sangue frio e nervos de aço. Uma história curiosa que prova essa má fama da moça, foi quando ao passear ao ar livre, foi mordida por um cão raivoso. Sua reação foi simples: caminhou tranquilamente pra casa, onde silenciosamente cauterizou sua ferida com um ferro quente que encontrou na cozinha. O feito só foi sabido pela família muito tempo depois, quando sem querer, deixou aparecer a cicatriz vermelha da perna para familiares.


Uma vez ela foi mordida por um cachorro que ela viu correndo enlouquecidamente. Ela não disse uma palavra a ninguém, mas foi à cozinha e queimou a si mesma na carne dilacerada até o osso com ferro quente, e ninguém soube disso até que a cicatriz vermelha foi descoberta acidentalmente algumas semanas depois, e um questionamento simpático trouxe a história à tona.” (Traduzido do Wikipedia)


“Apesar de bastante alta, comia muito pouco e poderia se fazer morrer de fome quando estava triste ou quando queria impor seu próprio ponto de vista.” (Traduzido de The Reader’s Guide to Wuthering Heights)


Toda esta introdução serve como pano de fundo para que eu demonstre o tamanho da minha surpresa ao encontrar uma obra tão amarga e doentia como O Morro dos Ventos Uivantes (publicada em Londres, 1847). Sinceramente, ainda não entendo como alguém pode classificar esta obra como um romance do tipo “Love Story”. Não que seja um livro ruim. Apenas não existe amor no livro! Simplesmente não há! Pelo contrário, ele é cheio de ódio, rancor e malignidade. Ou seja, ou criou-se aqui uma nova espécie de amor, ou a Emily Brontë estava falando de alguma outra coisa bem diferente em sua obra.


“Diferentemente da maioria dos romances, os protagonistas do O Morro dos Ventos Uivantes são todos anti-heróis; a perfeita antítese do que um herói deveria ser. Ao invés de serem heróicos e terem compaixão, Heathcliff e Catherine são egoístas e mesquinhos. E ao invés deles serem felizes no amor, Catherine casa com outra pessoa e fere os sentimentos de Heathcliff. Muito orgulhosos para contarem um ao outro dos seus verdadeiros sentimentos, eles só brigam e se zangam, destruindo a vida dos dois nesse processo. (...) O livro inteiro é a história da destruição da alma humana; como o amor pode salvar ou condenar uma pessoa. Brontë traz toda uma nova perspectiva para o amor.” Leyla Shakew (traduzido de The Literature Network)


Eu sinceramente não acredito que exista qualquer outra forma de amor que não seja bondosa, que queira e faça o bem às partes envolvidas. Então dessa forma, eu nunca chamaria de amor essa raiva e obsessão doentia de Catherine e Heathcliff. Você não consegue simpatizar com nenhum personagem do livro, todos são cruéis e egoístas. Quando a sociedade vitoriana da época não se surpreendeu tanto quando pensavam que a obra tinha sido escrita por um homem, é por que não se conseguia conceber uma moça escrevendo coisas tão malévolas e cruéis assim.  Eles estavam acostumados com a amargura de figuras como o sombrio Lord Byron, e deixavam a leveza, as boas maneiras e os exemplos de caráter e moralidade para mulheres como Jane Austen.


Depois da morte de Emily Brontë, por pouco se saber de sua vida devido a sua reclusão social extrema, sua irmã Charlotte Brontë (também escritora), tratou de criar uma atmosfera reativa sobre a vida da irmã, para justificar seu isolamento social e sua mente sombria.


“A disposição da minha irmã não era muito social. Circunstâncias favoreceram e acentuaram essa sua tendência a reclusão. Exceto para ir a igreja ou caminhar pelas colinas, ela raramente cruzava os limites da casa. (...) Ela podia ouvir outras pessoas com bastante interesse, e até falar deles com bastante detalhe, mas falar COM eles, isso ela nunca fazia. Ela raramente trocava uma simples palavra com eles.” (Traduzido do Wikipedia)


Curiosamente no Morro dos Ventos Uivantes, quando está próxima a morte de Heathcliff, ele está com o corpo e a alma abatidos. Recusava-se a comer para que a morte chegasse o quanto antes. E por conta disso, perde seu porte físico, ficando magro, pálido e com uma expressão medonha como se tivesse saído dali uma pessoa, e um ser de outro mundo tivesse tomado o seu lugar. A expressão do seu rosto era tão pavorosa, que assustou Nelly, uma criada que conviveu com ele desde quando foi adotado pela família Earnshaw. A curiosidade aqui reside na própria morte da Emily Brontë, no auge dos seus 30 anos. Ela pegou um resfriado no dia do enterro do seu irmão, e se recusou a tratá-lo. O resfriado virou uma tuberculose que começou a abatê-la ferozmente. Ela nem permitia que médicos fossem chamados, nem se permitia tomar os remédios que eram enviados para ela. Em apenas três meses Emily definhou até a morte, e em seu último suspiro deve ter se arrependido da sua estúpida inconseqüência e falou para sua irmã: “Se você ainda for chamar um médico, eu agora aceito ser tratada”. Obviamente, não dava mais tempo. Emily então faleceu tão magra, que seu caixão teve apenas 40 centímetros e meio de largura (por 1,70 de altura), esta largura era comum apenas para caixões de criança, o que impressionou até o carpinteiro que o confeccionou.


Dito tudo isso, aproveito para deixar claro que a obra de Emily Brontë deve ser lida sim, é um clássico! Mas não espere uma experiência de crescimento interior e introspecção, pois isso não vai acontecer. No máximo você vai terminar a leitura chocada, ao mesmo tempo que não vai conseguir largar o livro. A trama é instigante e te prende do começo ao final. E eu sinceramente espero que você não suspire de amores por Heathcliff. Acho que o mundo já está cheio de “amores” danosos demais para você desejar algo tão ruim para amar. Então a dica é: não seja uma Catherine Earnshaw (muito menos Cathy Linton). E o mais importante: se encontrar um Heathcliff por aí, não perca tempo. Corra sem nem olhar pra trás.



Aldrêycka Albuquerque




Texto também publicado no Livretando:
http://livretando.blogspot.com.br/2013/08/porque-jane-austen-nao-me-deixou-gostar.html

domingo, 4 de agosto de 2013

A menina que amava as pedras



Estava eu em um desses domingos comuns em que nada acontece, quando se olha absorta para um filminho meia boca na TV, enquanto a mente vaga sem rumo por lugares assim não muito aconselháveis. Lutava contra uma vontade louca e besta, que muitas vezes chega sem pedir licença, e tão rápido quanto vem também vai embora. Foi quando uma amiga chamou pelo chat pra falar de amores antigos. Ela reclamando dos antigos e eu naquele dilema duro que são os amores novos, os amores em potencial. Ela reclamava que não conseguiria mais amar o ex, então esperou por uma réplica minha. Não sei se foi minha mente que há uns bons minutos vagavam a pensar e a ponderar o imponderável. Não sei se por impulso. Nem sei se por puro desequilíbrio hormonal. Respondi então, aguda e seca, o que se segue.

Não sei você, mas eu morro de medo de uma doença que tenho. Uma doença louca que como um verme microscópico vem e se instala em algum lugar entre o coração e o meu estômago. E me dói. E me faz perder a fome. Mexe com meus nervos e agulha até o estômago! Essa doença consiste em uma propensão inata a amar facilmente e com uma intensidade insana, tudo ou qualquer coisa. Dessa forma, eu acredito que eu poderia amar até uma pedra. Se eu não me controlasse, poderia facilmente morrer de amores até pelos seixos do jardim! Eu nunca precisei de reciprocidade, de constância, de alimento pro amor louco que muitas vezes eu sinto. Assim, mesmo uma pedra dura e fria, que nunca poderia deixar de ser o objeto inanimado que é, com pouco esforço eu poderia sim me apaixonar.

E como isso é perigoso! E como eu tenho medo! Então passo os dias tentando me manter distante, me segurando para não arrebentar essa represa em cima de ninguém que não esteja preparado. Sem contar que não seria saudável para mim dar flecheiro em copo d'água de novo. Mergulhar fundo em pessoas rasas dá uma canseira danada. É doído, meu Deus, como é dolorido! E custa a passar... Os dias e anos se arrastam. E eu continuo insistindo nos barcos furados, esperando que um dia eles naveguem em paz no meu mar. Mas eles nunca irão. São pedras, afundarão e se perderão em mim, e de mim. Copinhos rasos frente ao meu oceano confuso e denso.

Amar assim tão fácil, é um perigo de extinção. Qualquer dia desses por desperdiçar amor assim aos tantos, como uma torneira que sangra noite e dia um líquido precioso, um dia ele pode acabar. Um dia meu oceano pode secar sem que ninguém tenha tentado navegá-lo. Cada um que veio, tirou pra si um punhado das minhas águas, do meu sal. Dei assim de graça toda a vida que havia em mim. Que cenário amargo, Deus. Livra de mim.

Mas é assim que tem sido a minha vida: to curb. Conter. Refrear. Restringir. Inibir. SUFOCAR. Guardar o amor para não desperdiçá-lo com as rochas da pedreira que é a vida.



Aldrêycka Albuquerque