domingo, 18 de agosto de 2013

Por que Jane Austen não me deixou gostar de Emily Brontë





Duas moças inglesas. Uma chamada Jane Austen, nascida em 1775 em Hampshire. A outra, Emily Brontë, nascida um ano e doze dias após a morte de Jane Austen, em 1818 em Yorkshire. As duas moças tinham pais religiosos. O pai de Emily, um clérigo anglicano, já o de Austen, um pároco também anglicano. As duas moças começaram suas vidas literárias muito cedo, tendo começado a escrever suas obras mais famosas em torno dos vinte anos. Infelizmente ambas também morreram cedo. Austen morrendo possivelmente da doença de Addison em 1817, aos 41 anos de vida. Emily Brontë, por sua vez, morrendo aos 30 anos de idade em 1848, depois de um resfriado que virou uma tuberculose e que se recusou a tratar. Ambas as moças não aproveitaram em vida todo o sucesso que adviria de suas obras literárias. No caso de Jane, seis obras completas, no caso de Emily, apenas uma única obra. E por aqui terminam as semelhanças entre as duas moças.


Apesar de um contexto tão similar, as duas escritoras tomaram rumos bem diferentes. Começando pelas obras, Jane Austen sempre foi consagrada por suas tramas que sempre prezavam a virtude, o amor, a justiça e o caráter. Emily Brontë por sua vez, com sua única obra O Morro dos Ventos Uivantes, conseguiu chocar toda a sociedade vitoriana da época. Uma trama cheia de ódio, inveja, remorso, um tipo de amor torpe e amargo, a falta de caráter e amor ao próximo é o que encontramos em seu livro. É uma obra tão sombria e amarga, que foi inicialmente publicada com autoria masculina, o que poderia ser mais facilmente aceito pelo público. Só depois ficou claro que todo aquele enredo amargo e personagens anti-heróis foram concebidos por uma moça tímida de vinte e sete anos, a Inglaterra ficou chocada.


“Em 1847, Emily Brontë chocou o mundo da literatura inglesa com a publicação do seu romance O Morro dos Ventos Uivantes. O que o público viu foram novos tipos de heróis: uma marionete tirânica do mau, o próprio Satã humanizado, e uma instável mulher casada à procura do seu amor perdido. Certamente, nada do que se pode considerar como o típico estereótipo de um casal vitoriano do século dezenove.” (traduzido de Céu e Inferno: uma criação humana)



Ao se analisar as moças, de um lado nos deparamos com a carinhosa “tia Jane”, tão bem relacionada com seus amigos e familiares. Uma querida não só por sua irmã Cassandra, mas também por sua sobrinha, irmãos e amigos. Em todos os relatos da vida da Jane Austen encontramos uma moça íntegra, cristã, simpática e verdadeira. Todos só tinham os melhores elogios a tecer sobre seu caráter. Mesmo quanto estava perto da morte, moribunda, acreditava em sua recuperação até o final. E em suas últimas palavras, depois de lutar de todas as formas por recuperação, não temeu a morte e disse, entre as muitas dores que sentia “Não quero mais nada além da morte”.



Abriu a boca com sabedoria e a lei da clemência estava em sua língua.”

(Inscrição no túmulo de Jane Austen)



Do outro lado temos a sombria Emily Brontë. Uma moça tímida ao extremo, que costumava não olhar nos olhos de ninguém. Era conhecida por ter sangue frio e nervos de aço. Uma história curiosa que prova essa má fama da moça, foi quando ao passear ao ar livre, foi mordida por um cão raivoso. Sua reação foi simples: caminhou tranquilamente pra casa, onde silenciosamente cauterizou sua ferida com um ferro quente que encontrou na cozinha. O feito só foi sabido pela família muito tempo depois, quando sem querer, deixou aparecer a cicatriz vermelha da perna para familiares.


Uma vez ela foi mordida por um cachorro que ela viu correndo enlouquecidamente. Ela não disse uma palavra a ninguém, mas foi à cozinha e queimou a si mesma na carne dilacerada até o osso com ferro quente, e ninguém soube disso até que a cicatriz vermelha foi descoberta acidentalmente algumas semanas depois, e um questionamento simpático trouxe a história à tona.” (Traduzido do Wikipedia)


“Apesar de bastante alta, comia muito pouco e poderia se fazer morrer de fome quando estava triste ou quando queria impor seu próprio ponto de vista.” (Traduzido de The Reader’s Guide to Wuthering Heights)


Toda esta introdução serve como pano de fundo para que eu demonstre o tamanho da minha surpresa ao encontrar uma obra tão amarga e doentia como O Morro dos Ventos Uivantes (publicada em Londres, 1847). Sinceramente, ainda não entendo como alguém pode classificar esta obra como um romance do tipo “Love Story”. Não que seja um livro ruim. Apenas não existe amor no livro! Simplesmente não há! Pelo contrário, ele é cheio de ódio, rancor e malignidade. Ou seja, ou criou-se aqui uma nova espécie de amor, ou a Emily Brontë estava falando de alguma outra coisa bem diferente em sua obra.


“Diferentemente da maioria dos romances, os protagonistas do O Morro dos Ventos Uivantes são todos anti-heróis; a perfeita antítese do que um herói deveria ser. Ao invés de serem heróicos e terem compaixão, Heathcliff e Catherine são egoístas e mesquinhos. E ao invés deles serem felizes no amor, Catherine casa com outra pessoa e fere os sentimentos de Heathcliff. Muito orgulhosos para contarem um ao outro dos seus verdadeiros sentimentos, eles só brigam e se zangam, destruindo a vida dos dois nesse processo. (...) O livro inteiro é a história da destruição da alma humana; como o amor pode salvar ou condenar uma pessoa. Brontë traz toda uma nova perspectiva para o amor.” Leyla Shakew (traduzido de The Literature Network)


Eu sinceramente não acredito que exista qualquer outra forma de amor que não seja bondosa, que queira e faça o bem às partes envolvidas. Então dessa forma, eu nunca chamaria de amor essa raiva e obsessão doentia de Catherine e Heathcliff. Você não consegue simpatizar com nenhum personagem do livro, todos são cruéis e egoístas. Quando a sociedade vitoriana da época não se surpreendeu tanto quando pensavam que a obra tinha sido escrita por um homem, é por que não se conseguia conceber uma moça escrevendo coisas tão malévolas e cruéis assim.  Eles estavam acostumados com a amargura de figuras como o sombrio Lord Byron, e deixavam a leveza, as boas maneiras e os exemplos de caráter e moralidade para mulheres como Jane Austen.


Depois da morte de Emily Brontë, por pouco se saber de sua vida devido a sua reclusão social extrema, sua irmã Charlotte Brontë (também escritora), tratou de criar uma atmosfera reativa sobre a vida da irmã, para justificar seu isolamento social e sua mente sombria.


“A disposição da minha irmã não era muito social. Circunstâncias favoreceram e acentuaram essa sua tendência a reclusão. Exceto para ir a igreja ou caminhar pelas colinas, ela raramente cruzava os limites da casa. (...) Ela podia ouvir outras pessoas com bastante interesse, e até falar deles com bastante detalhe, mas falar COM eles, isso ela nunca fazia. Ela raramente trocava uma simples palavra com eles.” (Traduzido do Wikipedia)


Curiosamente no Morro dos Ventos Uivantes, quando está próxima a morte de Heathcliff, ele está com o corpo e a alma abatidos. Recusava-se a comer para que a morte chegasse o quanto antes. E por conta disso, perde seu porte físico, ficando magro, pálido e com uma expressão medonha como se tivesse saído dali uma pessoa, e um ser de outro mundo tivesse tomado o seu lugar. A expressão do seu rosto era tão pavorosa, que assustou Nelly, uma criada que conviveu com ele desde quando foi adotado pela família Earnshaw. A curiosidade aqui reside na própria morte da Emily Brontë, no auge dos seus 30 anos. Ela pegou um resfriado no dia do enterro do seu irmão, e se recusou a tratá-lo. O resfriado virou uma tuberculose que começou a abatê-la ferozmente. Ela nem permitia que médicos fossem chamados, nem se permitia tomar os remédios que eram enviados para ela. Em apenas três meses Emily definhou até a morte, e em seu último suspiro deve ter se arrependido da sua estúpida inconseqüência e falou para sua irmã: “Se você ainda for chamar um médico, eu agora aceito ser tratada”. Obviamente, não dava mais tempo. Emily então faleceu tão magra, que seu caixão teve apenas 40 centímetros e meio de largura (por 1,70 de altura), esta largura era comum apenas para caixões de criança, o que impressionou até o carpinteiro que o confeccionou.


Dito tudo isso, aproveito para deixar claro que a obra de Emily Brontë deve ser lida sim, é um clássico! Mas não espere uma experiência de crescimento interior e introspecção, pois isso não vai acontecer. No máximo você vai terminar a leitura chocada, ao mesmo tempo que não vai conseguir largar o livro. A trama é instigante e te prende do começo ao final. E eu sinceramente espero que você não suspire de amores por Heathcliff. Acho que o mundo já está cheio de “amores” danosos demais para você desejar algo tão ruim para amar. Então a dica é: não seja uma Catherine Earnshaw (muito menos Cathy Linton). E o mais importante: se encontrar um Heathcliff por aí, não perca tempo. Corra sem nem olhar pra trás.



Aldrêycka Albuquerque




Texto também publicado no Livretando:
http://livretando.blogspot.com.br/2013/08/porque-jane-austen-nao-me-deixou-gostar.html

5 comentários:

Raquel Sallaberry disse...

Aldrêycka,

ao seu conselho para as moças — “se encontrar um Heathcliff por aí, não perca tempo. Corra sem nem olhar pra trás.”— acrescento, se encontrar uma Catherine Earnshaw, idem com batatas!

um abraço, raquel

Raíssa França disse...

Eu tinha comentado aqui antes, mas acho que não foi. Gostei bastante do seu texto, de verdade. Mas, acho que as pessoas acharam "amor" onde não havia naquela história, sabe? Não li o livro, mas vi o filme e posso dizer que uma história pra mostrar que a falta de amor deles não deixou eles ficarem juntos, a maneira como eles eram um com o outro foi dificultando o amor que havia alí. É mais ou menos assim, meu outro comentário foi melhor, mas..

Naiara Aimee disse...

Nossa, to impressionada em saber que eu não sou a única que também não considera essa obra uma "história de amor"... sim, porque eu fico abismada em como todos dizem que é uma paixão linda e etc... Sinceramente, eu prefiro Jane Eyre da Charlotte, mesmo com um estilo mais gótico, há um enredo maravilhoso e a história é encantadora ^^

Edwiges disse...

Mas evuma trama muito interessantececinfeluxmente ta cheio de "amores"assim e caty so se casou com Edgarpela posicao "grana" orgulho

Unknown disse...

Segundo o que pude constatar, a principal crítica contida em seu texto é que “não existe amor no livro” O Morro dos Ventos Uivantes. Eu discordo absolutamente, senhorita. Acredito que o amor não está evidentemente mostrado no livro, mas está presente nele sim, disfarçado em pequenas sutilezas quase que imperceptíveis; exemplos: a compaixão do Sr. Earnshaw pela adoção de Heathcliff, a amizade de Heathcliff e Catherine quando crianças, o amor paciente e compreensivo que Edgar Linton sentia pela esposa, o arrependimento de Catherine no leito de morte conjuntamente com o único momento desesperado de amor passional entre ela e Heathcliff que trocam beijos e amassos furiosos, o amor inocente de Catherine filha por Linton, a redenção de Heathcliff em criar e educar Hareton, a admiração, o respeito e o reconhecimento de Hareton por Heathcliff, a desistência da vingança de Heathcliff, a união de Heathcliff e Catherine após a morte. Ora... Senhorita Albuquerque, se esses acontecimentos mencionados acima (presentes no livro) não constituem formas de amor, então suponho que por amor a senhorita compreenda apenas o que seja de caráter passional, belo, bondoso e justo (à moda Austen), ou qualquer outra espécie de “felizes para sempre”.

Amhan Bertolazi.