Eu estou sempre pronta para falar coisas doídas, de dentro, que custam ser verbalizadas, então sinto falta disso nos outros. Como eu daria tudo pra ouvir algo assim de você. Algo que me doa os ossos, que me tragam toda a fauna para o estômago, não apenas borboletas. Qualquer coisa que venha de dentro, que me faça ter vontade de escrevê-la no pedaço de papel mais perto de mim, para que eu não esqueça. Mas você é assim tão monossilábico, assim tão onomatopéico. Custa até usar emoticons, ai que tristeza!
domingo, 29 de dezembro de 2013
Desabafos moderninhos
Eu estou sempre pronta para falar coisas doídas, de dentro, que custam ser verbalizadas, então sinto falta disso nos outros. Como eu daria tudo pra ouvir algo assim de você. Algo que me doa os ossos, que me tragam toda a fauna para o estômago, não apenas borboletas. Qualquer coisa que venha de dentro, que me faça ter vontade de escrevê-la no pedaço de papel mais perto de mim, para que eu não esqueça. Mas você é assim tão monossilábico, assim tão onomatopéico. Custa até usar emoticons, ai que tristeza!
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Minha crônica de fim de ano preferida
De tanto que leio essa crônica do Caio Fernando de Abreu nesses períodos de fim de ano, que já virou um mantra. Porém não daria para exprimir mais o que eu sinto nessa época do ano, do que ele.
Vai Passar
Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca".
Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse é o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer.
E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa. Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim: - "...mastiga a ameixa frouxa. Mastiga, mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca..."
Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse é o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.
Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer.
E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.
Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa. Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim: - "...mastiga a ameixa frouxa. Mastiga, mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca..."
Caio Fernando de Abreu
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
O Portal
Ontem eu tive um sonho acordada. Era noite de Natal e eu estava naquela fase entre a consciência e o sono. Prestes a entrar no mundo dos sonhos, mas ainda com muita coisa na cabeça para se entregar por completo nas mãos do inconsciente. Foi então que eu tive esse sonho com você.
Estávamos no carro, dirigindo por uma rua que nunca vi na vida, como se fosse uma floresta. Era noite, e ríamos como se tivéssemos voltando de uma festa maravilhosa. Então de repente demos de cara com uma luz na estrada. Bem na nossa frente uma luz cintilante cor de prata impedia que avançássemos. Paramos o carro sem acreditar. Deixamos o susto da freada brusca passar um pouco, até que absortos descemos do carro para entender o que era aquilo. De repente só éramos nós, a estrada e aquela luz no meio do caminho.
Ao chegarmos perto da luz, percebemos que aquilo tinha o formato de uma porta larga, cor de prata brilhante. Mas não um brilhante de incomodar a vista, mas sim uma luz forte e sedutora ao mesmo tempo. Fui a primeira a perceber que aquilo não era só uma luz, era um portal. E foi nesse momento que todo o meu medo deu lugar à curiosidade. Uma curiosidade que me deixava nervosa como quem sabe que está prestes a receber um presente ou uma notícia muito boa. Você, por outro lado, estava imerso em um pânico contido, calado e quase imóvel a uma boa distância daquele portal.
Então comecei a tentar te convencer a entrar. Quantos portais aparecem assim na vida? Como não entrar? Era uma oportunidade única! Mesmo se fosse para entrar e morrer fulminada, mas não deixaria passar a oportunidade de viver a experiência mais sobrenatural que eu passaria nessa vida. Você achou minha ideia ridícula, falou do risco de vida e de sumir do mapa por completo. Como eu só entraria ali se fosse com você, tentei mais uma vez te convencer. Peguei uma pedra ali da margem da estrada, e joguei dentro do portal. A pedra da mesma forma que entrou, saiu do outro lado intacta. Você questionou que se não acontece nada, o porquê de atravessar. Eu falei que para a gente que não tinha entrado, a pedra só atravessou o portal e caiu do outro lado. Mas para a pedra é bem possível que tenha estado em outro lugar por um tempo, experimentado outros ares, outros lugares. Você riu.
Talvez tenha sido a pedra intacta que te deu coragem, mas combinamos de contar até três e entrarmos juntos no portal. Você segurou minha mão e naquele momento eu tive certeza que com você eu iria até o fim do mundo. Sem certeza de voltar, sem certeza de nada. Com você é onde eu deveria estar. Apertei sua mão com força, e começamos a contar. Um, e meu estômago parecia estar numa montanha russa. Dois, e olhei pro seu rosto e vi o reflexo prateado em seus olhos. Três, e eu fechei bem os meus olhos e pulei. E não doeu quando meu corpo atravessou aquela luz espessa, não doeu quando passei de um plano para outro, só doeu quando senti você soltar sua mão da minha um momento antes de eu pular. Foi então que senti a maior desolação me acometer, junto com um pânico sufocante de quem pula no meio do oceano sem saber nadar. Eu estava sozinha. Você tinha me deixado ali sozinha.
Acordei do sonho sem saber se cheguei a atravessar o portal como fez a pedra. Nem sei onde estive quando entrei naquela luz sem você. Também não faço ideia com que jeito eu conseguiria olhar pra você depois que saísse do portal. Mas uma coisa eu tinha certeza, mesmo se o portal fosse imaginário, mesmo se ele não passasse de uma luz sem o mínimo efeito, depois que saísse dele eu sairia mudada. Principalmente em relação a você. Talvez eu nunca mais tenha saído de lá, e esteja até agora procurando uma saída. Mas cheguei à conclusão que não ter entrado no portal também deve ter te mudado. Mostrou um pedaço seu que você não gostaria de conhecer. Não entrar no portal te fez não mais olhar nos meus olhos. No fim das contas o portal – real ou não –nos mudou. Tendo entrado nele ou não. Tendo saído dele ou não. Sendo um sonho ou não. Por que você largou a minha mão?
Aldrêycka Albuquerque
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