quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O Portal




Ontem eu tive um sonho acordada. Era noite de Natal e eu estava naquela fase entre a consciência e o sono. Prestes a entrar no mundo dos sonhos, mas ainda com muita coisa na cabeça para se entregar por completo nas mãos do inconsciente. Foi então que eu tive esse sonho com você.

Estávamos no carro, dirigindo por uma rua que nunca vi na vida, como se fosse uma floresta. Era noite, e ríamos como se tivéssemos voltando de uma festa maravilhosa. Então de repente demos de cara com uma luz na estrada. Bem na nossa frente uma luz cintilante cor de prata impedia que avançássemos. Paramos o carro sem acreditar. Deixamos o susto da freada brusca passar um pouco, até que absortos descemos do carro para entender o que era aquilo. De repente só éramos nós, a estrada e aquela luz no meio do caminho.

Ao chegarmos perto da luz, percebemos que aquilo tinha o formato de uma porta larga, cor de prata brilhante. Mas não um brilhante de incomodar a vista, mas sim uma luz forte e sedutora ao mesmo tempo. Fui a primeira a perceber que aquilo não era só uma luz, era um portal. E foi nesse momento que todo o meu medo deu lugar à curiosidade. Uma curiosidade que me deixava nervosa como quem sabe que está prestes a receber um presente ou uma notícia muito boa. Você, por outro lado, estava imerso em um pânico contido, calado e quase imóvel a uma boa distância daquele portal.

Então comecei a tentar te convencer a entrar. Quantos portais aparecem assim na vida? Como não entrar? Era uma oportunidade única! Mesmo se fosse para entrar e morrer fulminada, mas não deixaria passar a oportunidade de viver a experiência mais sobrenatural que eu passaria nessa vida. Você achou minha ideia ridícula, falou do risco de vida e de sumir do mapa por completo. Como eu só entraria ali se fosse com você, tentei mais uma vez te convencer. Peguei uma pedra ali da margem da estrada, e joguei dentro do portal. A pedra da mesma forma que entrou, saiu do outro lado intacta. Você questionou que se não acontece nada, o porquê de atravessar. Eu falei que para a gente que não tinha entrado, a pedra só atravessou o portal e caiu do outro lado. Mas para a pedra é bem possível que tenha estado em outro lugar por um tempo, experimentado outros ares, outros lugares. Você riu.

Talvez tenha sido a pedra intacta que te deu coragem, mas combinamos de contar até três e entrarmos juntos no portal. Você segurou minha mão e naquele momento eu tive certeza que com você eu iria até o fim do mundo. Sem certeza de voltar, sem certeza de nada. Com você é onde eu deveria estar. Apertei sua mão com força, e começamos a contar. Um, e meu estômago parecia estar numa montanha russa. Dois, e olhei pro seu rosto e vi o reflexo prateado em seus olhos. Três, e eu fechei bem os meus olhos e pulei. E não doeu quando meu corpo atravessou aquela luz espessa, não doeu quando passei de um plano para outro, só doeu quando senti você soltar sua mão da minha um momento antes de eu pular. Foi então que senti a maior desolação me acometer, junto com um pânico sufocante de quem pula no meio do oceano sem saber nadar. Eu estava sozinha. Você tinha me deixado ali sozinha.

Acordei do sonho sem saber se cheguei a atravessar o portal como fez a pedra. Nem sei onde estive quando entrei naquela luz sem você. Também não faço ideia com que jeito eu conseguiria olhar pra você depois que saísse do portal. Mas uma coisa eu tinha certeza, mesmo se o portal fosse imaginário, mesmo se ele não passasse de uma luz sem o mínimo efeito, depois que saísse dele eu sairia mudada. Principalmente em relação a você. Talvez eu nunca mais tenha saído de lá, e esteja até agora procurando uma saída. Mas cheguei à conclusão que não ter entrado no portal também deve ter te mudado. Mostrou um pedaço seu que você não gostaria de conhecer. Não entrar no portal te fez não mais olhar nos meus olhos. No fim das contas o portal – real ou não –nos mudou. Tendo entrado nele ou não. Tendo saído dele ou não. Sendo um sonho ou não. Por que você largou a minha mão?



Aldrêycka Albuquerque

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