quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Destino se inventa

O primeiro texto do ano chega com oito dias de atraso. E nem é de minha autoria! Mas é tudo o que eu gostaria de falar. Então faço minhas as palavras do querido Ivan Martins. Enjoy it!



 

Destino se inventa

Se eu fosse mulher, tivesse 30 anos e não estivesse num relacionamento sério, minha lista de planos para 2014 começaria com quatro palavras: arrumar uma relação legal.

Imagino, claro, que a mulher de 30 se parece comigo na idade dela: meio carente, um tanto romântico e cheio de planos para o futuro. Planos, que, no meu caso, incluíam alguém para partilhar a vida.

Há muitas pessoas que não sentem assim, evidentemente. Há caras e garotas que vivem bem sozinhos. Tão bem, na verdade, que não desejam juntar os trapos e se comprometer. Eles transam quando querem, ficam bem sozinhos e extraem da sedução frequente aquela satisfação que outras pessoas só encontram na intimidade duradoura com uma mesma pessoa – por mais que ela traga seus próprios problemas.
Não é raro que se tenha inveja desses sedutores solitários, mas suspeito que eles, de vez em quando, também gostariam de ser diferente do que são.

Mas, se você sente que não nasceu para circular de forma autônoma, se você, no fundo da sua alminha inquieta, percebe aquele desejo ancestral de acasalar e (quem sabe?) fazer família, temo que a única solução para 2014 seja procurar um par.

Parece absurdamente óbvio o que estou dizendo, mas, acreditem, não é.

Estou cansado de conversar com mulheres de 30 anos que parecem ter desistido do projeto casal. Falam em adotar sozinhas uma criança, congelar óvulos ou viver avulsas para sempre, navegando entre um casinho e outro, entre um e outro site de relacionamento. Estão jogando a toalha, como se dizia antigamente – embora sejam jovens, atraentes, interessantes, bem sucedidas no trabalho. Um paradoxo de saias.

O que elas contam é que chegaram a uma idade em que é preciso tomar decisões, mas não há em volta delas sujeitos que queiram dar um passo adiante – ou, frequentemente, sujeitos com quem elas gostariam de dar o tal passo. Homem sempre existe, diz uma amiga minha. Mas cadê o homem que a faça sentir apaixonada? Ou que, tendo penetrado a couracinha afetiva dela, não se mostre mais interessado em seguir livre, rompendo outras couraças por aí?

A vida não é simples, naturalmente. Frequentemente, porém, ela tem solução. Que, neste caso, pode estar na atitude.

Acho que nós, homens e mulheres do século XXI, ainda temos um olhar adolescente para as relações afetivas. Queremos que nos caia do céu um romance arrebatador, pronto e completo, sem contradições ou dúvidas. Sem defeitos constrangedores também. Exigimos ser amados pelo que somos, mas estabelecemos condições elevadas para amar. Tendemos, de forma tola, a nos apaixonar pela beleza, pelo charme, pelo riso. Apostamos no clichê e na superfície, mas aspiramos ser tratados de outro jeito: queremos ser apreciados pela profundidade dos nossos sentimentos e por nosso caráter.

Outro tipo de atitude é possível, porém.
Outro dia, conversando com uma amiga sobre o casamento dela – que já tem 10 anos – ouvi algo surpreendente. “Eu tive muita sorte”, ela me disse. “Meu marido é um cara maravilhoso, mas eu poderia ter amado alguém muito pior.” Vocês percebem como é generosa essa última frase? “Eu poderia ter amado alguém muito pior” significa, essencialmente, que ela estava pronta quando o sujeito apareceu. Ele não precisava ser rico, lindo, heróico. Seria suficiente que a encantasse – e ela, lindamente, admite que não teria sido difícil. Um bom homem bastaria.

Acho que há nessa história ainda mais do que parece.

Nela se manifesta a disposição da mulher – embora pudesse ser do homem – de inventar o seu próprio destino. Acho que o romantismo pueril disseminado à nossa volta (em conversas, filmes, novelas, livros e até colunas da internet) nos transforma em criaturas passivas diante da nossa própria vida.

Agimos como se o amor fosse um evento externo à realidade. Partilhamos a convicção estranha de que diante do amor não temos nada a fazer. Acreditamos que a única atitude frente ao afeto é esperar que ela apareça. Não entendemos esse aspecto da existência como algo sob nosso controle - embora ele seja mais uma etapa da existência, outra experiência essencial da qual não faz sentido abdicar, mas diante da qual não deveríamos apenas sentar de boca aberta, embasbacados e passivos.
 

Em outras palavras, me ocorre que construir uma relação estável é como terminar o colégio, escolher a faculdade, lançar-se a uma profissão, sair da casa dos pais: uma experiência que precisa ser praticada, tentada, pensada e, de vez em quando, improvisada e remendada. Ao final, talvez, aceita da forma como apareça.

Logo, se eu fosse uma mulher de 30 anos sem uma relação estável - ou um homem da mesma idade e na mesma situação –  olharia em volta neste primeiro dia do ano da graça de 2014, seja na praia chuvarenta ou na rua ensolarada da cidade, em busca de alguém com que eu quisesse passar os próximos dez anos.

Ele ou ela pode estar pertinho. Ou não. Mas é certo que essa pessoa existe, porque não se trata de um semideus ou de uma criatura engendrada pela Providência. É um homem ou uma mulher comum, como tantos, a quem você concederá, de forma particular e única, embora não irrefutável, o privilégio do amor. A quem você oferecerá o direito a partilhar alguns dos momentos mais importantes da sua vida – e que receberá, atônito ou comovida, a honra do seu amor. Estar com ele ou com ela será infinitamente melhor do que jogar as mãos para o alto e desistir. Aliás, como regra não se desiste da vida, nem das coisas que a tornam importante.

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