domingo, 28 de outubro de 2012

Copie Conforme






Copie Conforme. Cópia Fiel. Cópia Certificada. Certified Copy. Copia Conforme. Escolha você em que idioma quer ler o título deste filme. Já que nem o diretor iraniano Abbas Kiarostami, quis se prender a um idioma apenas, dançando entre inglês-francês-italiano neste filme único. Sem par. Unique.

Não costumo falar de filmes aqui no blog. No máximo transcrevo uma cena, uma citação. Mas Copie Conforme (sim, prefiro o título em francês) precisa aqui de uma exceção, de um post inteiro e eu vou dizer por quê. Assisti esse filme pela primeira vez e a cada cena que se passava eu alternava entre admiração e completa confusão. Viajava nos diálogos, na discussão entre ‘cópia e original’, mas me perdia completamente no enredo. Quando o filme acabou, assisti uma segunda vez alguns dias depois. Então asseverei: agora sim, entendi. Então fui pesquisar o dito cujo na internet. E todas as sinopses e resenhas que li a respeito, falavam de tudo, sob todos os aspectos. Menos sobre o que eu tinha entendido. Será que eu entendi o filme errado? Ou minha percepção é que foi peculiar? Pois bem, não sei. Mas vim aqui registrar. Calma lá, você vai entender tudo assim que eu terminar de escrever. Comecemos pelo começo.





O filme se inicia com uma reunião de lançamento do livro (homônimo ao título do filme) do escritor inglês James Miller, na Itália. Logo na primeira cena você vê a sala cheia e as duas cadeiras da frente vazias com o aviso de "reservado". Apresenta-se o escritor, que discorre em um longo discurso sobre a importância e valor de uma cópia mediante seu original - tema este do livro. O escritor pede desculpa por seu italiano, se arriscando apenas a falar um pouquinho nesta língua, porém faz toda sua apresentação em inglês. Ao longo do seu discurso, chega uma mulher e senta em uma das cadeiras reservadas (a outra cadeira é ocupada pelo tradutor do livro). O filho da mulher depois chega, e atrapalha de todas as formas o que o escritor está falando, tirando completamente a atenção do filme ao que ele diz. Apesar de ser interessantíssimo o que o escritor esteja falando e o quanto a mulher se mostra interessada pelo assunto, o menino irritantemente tenta tirar sua atenção.

Pois bem, vou tentar não dar muitos spoilers, mas apenas tenham cuidado daqui pra frente se você ainda não assistiu o filme.

Ao ler o que tem na internet a respeito de Copie Conforme, vi que fala-se bastante sobre a discussão sem fim dos personagens a respeito da ‘cópia e do original’. Discute-se insistentemente do início ao fim, se é válido ou não a importância dicotômica que nossa sociedade dá ao que é original e ao que é cópia. Discute-se se isso faz algum sentido uma vez que, até que se descubra que um(a) peça/quadro/jóia é um(a) cópia, o objeto é admirado e valorado como original. Faz todo sentido. Se um leigo olhar uma réplica perfeita da Monalisa, até mesmo vê-la pela internet, e não tiver noção do que se trata, ele vai dar valor aquela réplica pelo que ela representa a ele, sem prejulgá-la por não ser original.
Dito isso, acredito que esse tema, apesar de ser deveras interessante, não acho que seja o objeto central do filme, porém apenas um pano de fundo incrivelmente instigante. Acho que o diretor ousou fazer o contrário do que vemos no cinema: ao invés de algo irrelevante tomar seu papel de pano de fundo, ele escolheu uma questão interessante, instigante, que tinha tudo para receber o papel principal e a colocou como parte do cénario. Para mim o assunto principal ali era a relação do escritor e a linda Juliette Binoche. E eu vou explicar o por quê.

Agora o aviso é expressamente reforçado: se você ainda não assistiu o filme, pare por aqui e só volte após ter assistido-o pelo menos duas vezes. Se quer seguir com a leitura ainda assim, vai por sua conta em risco. Não me responsabilizo pela dimensão do estrago que os spoilers irão fazer a você. Boa sorte.

Se eu tivesse de interpretar o filme, teria duas teorias das quais não saberia eleger apenas uma como a mais fiel ao enredo. Mas irei aqui falar sobre cada uma delas, ficando a seu critério decidir qual delas é mais original.


Quando comecei esta resenha, falei que ao assistir pela primeira vez o filme, eu oscilava entre empolgação e completa confusão. A empolgação eu já expliquei, a questão do original e da cópia é realmente interessante. Mas é da confusão que eu vou falar daqui pra frente. É sobre a confusão que eu queria falar, apesar de toda a introdução pífia que você leu até agora. Pois bem, o enredo me confundiu. Eu me perdi pelo menos umas três vezes. Por três vezes (pelo menos) eu não saberia dizer quem eram os personagens principais do filme. Não que fossem muitos, pois não são, longe disso! O filme se passa todo com a câmera focada em apenas duas pessoas: o escritor e a mulher, ao longo de um dia inteiro. Sem tirar a câmera deles dois nem por um instante. Não era isso, não é que eu não saberia dizer quem eles eram, mas quem eles representavam. Aqueles dois eram amigos? Era apenas um escritor e sua fã? Eram marido e mulher? Eram dois loucos? Sim, eu cheguei a pensar que um deles, ou até os dois, eram loucos varridos. Vou dizer o motivo.

O enredo é linear. Não sei o que isso quer dizer, mas li várias vezes isso ao pesquisar sobre o filme. Não, não sei o que linear significa neste contexto, uma vez que se  enredos fizessem trajetórias, Copie Conforme percorreria um oito invertido: o símbolo do infinito. Pois começa e termina e você continua perdido. Dito que não achei o filme linear, vou explicar por que. No início a mulher aparece como uma fã do escritor, que compra 6 livros dele – mesmo já tendo uma cópia – e pede para que ele autografe todas elas. O filhinho dela sabe alguma coisa que não sabemos, e questiona o motivo dela não ter deixado o escritor ver o sobrenome dele. Depois disso o escritor e a mulher vão passear de carro e discutir, discutir, discutir... Até o final do filme.

Você consegue claramente perceber que a relação dos dois muda muito rapidamente ao longo do filme. Vai desde a timidez, dos dois se conhecendo, passa para o flerte, a intimidade, depois o desgaste, a frieza... Fiquei pensando (e eis a minha primeira teoria) que o diretor quis mostrar quinze anos de casamento numa tarde. Toda a evolução, todo desgaste de quinze anos de relacionamento expostos numa tarde. Pensei que seria isso. Mas agora tenho minhas dúvidas, pois ao assistir o filme pela segunda vez, achei algumas pistas que me fizeram formular uma segunda teoria que pra mim é a mais plausível. Veja se para você também.

A mulher parecia que estava fazendo uma tour de recordação para o marido. Foi essa minha percepção. Parecia que o marido tinha esquecido dela e de seu filho, e ela estava sutilmente (porém nem sempre assim tão sutil) tentando trazê-los de volta a mente do marido. E eis as pistas que eu achei. Decidi listá-las para que esse post não vire um Vade Mecum.

E você que ainda não assistiu o filme e está lendo isso – insistente, hem? Dessa vez não tem remédio, asseguro que a partir daqui você vai entender pouquíssimo, quase nada. E o pouco que entender, vai tolher sua imaginação e raciocínio perceptivo quando enfim foir assistir ao filme. Você foi alertado.



Pistas Que Encontrei:
 
1.      Porquê a cadeira da mulher está reservada para ela? Se ela é apenas uma fã, porque teria este prestígio todo?

2.   O menino questiona a mãe o motivo dela não ter permitido que o escritor visse o sobrenome dele – para mim isso prova que o menino é filho dele, porém o escritor não sabe. Na verdade não lembra. E para não chocá-lo ou confundi-lo, a mulher prefere não dizer nada.

3.   O escritor pergunta se a mulher tinha casado naquele lugar – primeira parada que ela faz no passeio. O celular interrompe a resposta dela, mas fica claro que ela não queria responder. Parecia que não era o momento certo.

4.  O escritor passava a mão no cabelo, desconfortável, toda vez que a mulher mostrava alguma coisa que pela forma que ela falava, eram lugares e coisas que deveriam parecer familiar para ele. Ele parecia confuso às vezes, mas não parecia lembrar por completo.

5.   Na cafeteria, ao ir atender o telefone, o homem fica do lado de fora e a mulher conversa com a dona da cafeteria. A senhora perceber que eles são casados, e a mulher não nega, e conta a história de que o marido dela só se barbeia a cada dois dias. Nesta conversa também descobrimos que o homem só fala inglês e a mulher fala além do inglês, italiano (pois mora ali há 5 anos) e francês, sua língua pátria. 

6.     Nesta mesma cena a mulher chora ao ouvir o escritor contar a história de uma mulher e seu filho uma praça (acredito que a mesma praça que ela leva o homem posteriormente) e depois da visão que ele tinha da mesma mulher pela janela de uma pousada que ele estava (pousada que eles passaram a Lua de Mel na última cena do filme, pelo jeito.)

7.     Ainda na mesma cena, a mulher diz para o escritor que a dona da cafeteria tinha dito que eles eram um casal. O homem ri. A partir daí eles passam a se comportar como um casal. Algumas resenhas que li diziam que eles estavam fazendo o papel de uma “cópia” de um casal “original”. Mas não concordo. Vejam a seguir o por que.

8.     A relação dos dois começa a ficar mais íntima, e com isso as discussões e cobranças começam a ser mais intensas. Ela leva o homem numa capela que ela diz que eles se casaram há 15 anos. Ele fica extremamente desconfortável, alisando o cabelo mais uma vez, parecia achar aquilo familiar, mas não conseguia saber por que.

9.     Em uma cena ela diz que o filho dela parece com o pai (se referindo a ele?), nunca escutava ninguém, mas sempre gostava de ser escutado.

10.  Para mim o estopim é acena do restaurante. Os dois começam a compartilhar momentos íntimos, inclusive ele parece lembrar de algumas coisas. E incrivelmente, indo de encontro ao que a mulher disse na cafeteria, ele alterna entre inglês, francês e italiano fluente. Mostrando que ele fala e entende sim as outras línguas, só parecia que “não lembrava” ou algo assim.

11.  É nesta mesma cena que eu acho que sai a pista mais importante para entender o filme. O escritor lembra de um ocorrido 5 anos atrás, que a esposa parece que dormiu ao volante ao dirigir a noite. Ele fala isso numa retórica argumentativa digna de um Oscar, por sinal. Mas pela minha interpretação – okay, é uma viagem sem tamanho, eu admito – mas me parece que neste dia houve um acidente. E foi neste acidente que o marido perdeu a memória. Sim, pra mim ele tem um problema de memória que o faz esquecer da família, e só devidamente estimulado (como faz a mulher ao longo do filme) é que ele lembra algumas partes da sua vida marital. 

12.  Outra pista é quando eles estão nos degraus da pousada onde passaram a Lua de Mel. Ela pergunta o motivo dele não ter feito a barba naquele dia, e ele responde com a mesma história que a mulher  tinha contado a dona da cafeteria. Que ele só se barbeava a cada dois dias, por força do hábito. Eis a prova de que ele realmente era\é o marido dela.

13.  No final do filme, quando a mulher leva o escritor na pousada e pede pra ele olhar pelas janelas, pedindo que ele se lembrasse (acredito eu) da história que ele tinha contado na cafeteria sobre a mulher e o menino que subia a rua. Mas ele não se lembra, e fala uma coisa importante, ele fala algo assim: eu não consigo me lembrar, você sabe que eu não consigo, não me force dessa maneira. Então aparece ele no banheiro, mesmo banheiro que na história ele falava que tinha a tal janela pela qual ele olhava a mulher e o menino subir a rua.




Bem, e aí acaba o filme. Ele olha pelo espelho do banheiro a janela, o sino tocando no final da rua e parece incomodado, aflito! Como se tivesse a sensação de que deveria conhecer tudo aquilo, mas não consegue lembrar. O filme termina com ele mais uma vez passando a mão no cabelo incomodado. O coitado não conseguiu lembrar de quem ele era (ou deveria ser), da mulher nem do filho. Pelo menos não conscientemente nem por completo. A memória dele parecia funcionar por flashes apenas. Numa cena ou outra ele falava ou entendia o idioma da mulher, tratava-a como esposa, lembrava do filho... No outro momento ele tinha se perdido novamente.

É certo que a maioria das pessoas acharam a Juliette Binoche irritante, às vezes rude até. Mas eu não. Achei ela uma santa. Resignada. Cheia de temperança. Esperando ali a cada lugar que iam, a cada palavra que ela falava, que o marido lembrasse dela. Nem que às vezes ela tivesse que ir lá dentro e arrancar a memória deles dois do espaço turvo da amnésia do marido. Ela chorava a todo tempo um choro de lembrança, de saudade. E ele... simplesmente era uma cópia fiel de quem um dia ele foi. A mulher estava ali tentando provar que o original dele estava perdido ali em algum lugar.

Filme incrível. Recomendo fortemente.


Aldrêycka Albuquerque



Para assistir o filme completo legendado em português clique AQUI. Atenção que você precisará clicar no botão para ativar as legendas. Abs.


terça-feira, 16 de outubro de 2012

domingo, 14 de outubro de 2012

Time can't solve anything...


"O tempo vai se encarregar de resolver as coisas pra nós." Ele, em 2010
-"No love, time didn't solve anything for us." Eu, em 2012.

sábado, 13 de outubro de 2012

Fix You





Come here, I'll try to fix you!

Sabe? Um dia desses te vi no shopping. Todo lindo assim, como sempre. Percebi que você ganhou peso, bem como alguns pêlos brancos na barba. Mas continua sendo o você de sempre, andando em riste no meio da multidão, como se estivesse carregando no peito um troféu. E eu, apesar de ter perdido o apetite no mesmo momento que te vi, respirei fundo e pensei: -Lá vai um pedaço importante do que fui. E você nem me viu. E eu fiquei pensando se tivesse me visto, o que teria pensado. Qual seria a frase de efeito que você usaria. Daí também cruzou a minha cabeça um pensamento: será que você ainda me lê? Será que ainda revira a terra do meu jardim em busca de tesouros invisíveis? Será que ainda consegue enxergar o escondido dentro de mim? Fiquei pensando se quando está sozinho num quarto de hotel numa cidade estranha qualquer, se ainda pensa em mim. Se fica pensando onde eu estou, em como seria bom conversar comigo novamente. E apesar de tudo, como faz falta minha amizade. Fiquei imaginando você procurando rastros de mim pela internet. Talvez  porque seja eu quem já faz isso com você. Ou tento. Às vezes até imagino você sozinho novamente, pensando em como seria se não tivesse tomado aquele rumo naquele dia. Se tivesse dito diferente, feito diferente. Fiquei imaginando se só eu tenho a boca e a cabeça assim cheia de "SE's". Aí não resisti, procurei você rapidamente, a contragosto da minha filosofia de vida de te esquecer. E fiquei tão feliz quando não te achei em lugar nenhum! Você na minha memória é tão mais seguro...

A. Albuquerque



Plan to be surprised!




Dear Readers, for most of you, this is my first column in your paper. In the future, I will be answering your questions, but today I want to break from my usual format and talk to you about the subject of plans. Not so much my plan for this column, but life plans, and how we all make them. And how we hope that our kids make good, smart, safe plans of their own. But if we're really honest with ourselves, our plans usually don't work out as we had hoped. So instead of asking our young people "What are you plans? What do you plan to do with your life?" maybe we should tell them this: Plan to be surprised.

Look After You by The Fray on Grooveshark


Dan in Real Life [Eu, Meu Irmão e Nossa namorada] é um daqueles filmes que você não dá nada por ele. Que você vê o banner na locadora (isso ainda existe?) ou num site de filmes qualquer e simplesmente ignora. E se você for ver o título dele em português (Eu, meu irmão e nossa namorada), aí é que você não vai dar a mínima atenção a ele mesmo! Mas num daqueles dias que não se tem mais nada pra ver na TV, você dá o direito da dúvida a ele e assiste. E se surpreende.

Eu precisei assisti-lo duas vezes incompletas e então mais uma assistindo do começo ao fim, para então decidir: Amo esse filme! E o trecho que colei aí em cima é o que fecha o enredo com aquele ar de "nossa, que perfeito!".

Sem mais, a tradução livre para os que não entendem inglês.


Queridos leitores, para a maioria de vocês esta é minha primeira coluna neste jornal. No futuro eu estarei respondendo às suas perguntas, mas hoje eu quero sair da mesmice do formato usual, e falar sobre Planos. Não sobre meus planos para essa coluna, mas planos de vida e como todos nós o fazemos. E como nós esperamos que nossas crianças façam planos bons, inteligentes e seguros. Mas se formos verdadeiramente honestos conosco, perceberemos que nossos planos geralmente não funcionam como a gente espera que eles funcionem. Então ao invés de perguntar aos jovens "Quais são seus planos? O que você planeja fazer da sua vida?", talvez devêssemos dizer a eles: PLANEJEM SEREM PEGOS DE SURPRESA.

Um abraço. ;-)


Trailer do Filme:

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O Abismo do Pensar e Sentir





Life for Rent by Dido on Grooveshark


O Abismo do Pensar e Sentir


Não vim aqui (deliberadamente ou não) me desculpar por ter te esquecido.
Na verdade vim me questionar o porque de não ter te esquecido antes!
Talvez tenha sido subconscientemente premeditado.

Desde quando estávamos ali, no escuro...
Eu enlaçada nos teus braços, 
Com a cabeça no teu ombro, 
Sentindo o cheiro bom que você tem.
Desde aquela época. 
Desde lá não teve frenesi, 
Não teve nenhum "Caramba, finalmente".
Só nós dois ali juntos, e eu pensando: 
"Ah, aproveita, vai durar a velocidade de um raio ao atingir a Terra."
"Ah, aproveita, não é de verdade."
"Ah, aproveita, mas não tem de ser."

E então você evaporou.
Virou areia e foi levado pelo vento.
Fiquei ali do lado, ainda com um punhado de grãos de você na mão, 
Cabelos alvoroçados pelo temporal.
Custei a entender que tinha passado, que não ia voltar.
Saí fazendo promessas ao vento, prometi e comprometi minha felicidade, minha sanidade, 
Só queria você de volta.
Mas você já tinha ido. E continuava ali de alguma forma.
Foi espalhado partes de você por todos os lugares.
Tinha você nas árvores, no rio, na rua suja...
Tinha você quando os carros passavam rápidos na rodovia,
Tinha você na minha pele e na minha roupa.
Tinha você dentro do vidro do meu perfume.

Então apesar de você ter ido embora, restava pedaços seus por aí.
Eu demorei pra entender isso. E quando enfim percebi, foi até pior!
Fui te recolher enlouquecidamente! 
Como Jackie Kennedy recolhendo os miolos do marido.
Eu não sabia o que fazer! Precisava te juntar denovo.
Corri na rua, na árvore, debaixo da cama, nos perfumes, cadernos antigos. 
Precisava te reunir, cada pedaço de você que passei a perceber a minha volta.
Sorrisos nas bocas de outrém, irís nos olhos de um qualquer.
Eu só queria pegar tudo, juntar aqui comigo. Te ter de volta, só mais uma vez.

Só pra te dizer que doeu tanto tudo aquilo.
Só pra te dizer o quanto saí magoada, o quanto penosa foi minha vida naquela época.
Então falei, gritei, cuspi tudo o que tinha guardado. 
Falei pra maquete que fiz com restos de você.
Tinha um fio de barba, um cheiro doce numa roupa, um pedaço de papel e uma embalagem vazia de ketchup. Aquilo tudo era você. 
Então saí gritando barbaridades! 
Palavras indizíveis que vieram se amontoando há anos na minha boca, na minha alma!
Falei tudo e desmaiei ali mesmo. Quão cansada eu estava!
Quando acordei aquela maquete sua não passava de um amontoado de objetos sem vida. 
Os restos de você que tinham neles, desapareceram.
Agora era apenas um altar pagão esquecido pelo tempo.
Chutei tudo com o pé até um montinho de lixo ali perto e fui embora limpando a poeira dos joelhos.

Parei de catar você pela rua.
Parei de juntar miolos soltos. Já era meio desmiolada mesmo, só aceitei os fatos.
Então parei com tudo aquilo e segui em frente.
E nem senti falta. E nem doeou mais os ossos.
Nem mesmo quando passei um dia pela rua e tinha uns restos nossos pendurados numa árvore aqui perto. Passei direto como se aquilo fosse o passado injeitado de um alguém qualquer.
Ignorei e segui em frente.
E sigo assim até hoje.


Aldrêycka Albuquerque