domingo, 29 de dezembro de 2013

Desabafos moderninhos






Eu estou sempre pronta para falar coisas doídas, de dentro, que custam ser verbalizadas, então sinto falta disso nos outros. Como eu daria tudo pra ouvir algo assim de você. Algo que me doa os ossos, que me tragam toda a fauna para o estômago, não apenas borboletas. Qualquer coisa que venha de dentro, que me faça ter vontade de escrevê-la no pedaço de papel mais perto de mim, para que eu não esqueça. Mas você é assim tão monossilábico, assim tão onomatopéico. Custa até usar emoticons, ai que tristeza!

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Minha crônica de fim de ano preferida

De tanto que leio essa crônica do Caio Fernando de Abreu nesses períodos de fim de ano, que já virou um mantra. Porém não daria para exprimir mais o que eu sinto nessa época do ano, do que ele.



Vai Passar

Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca".

Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse é o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.

Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer.

E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços. Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.

Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa. Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim: - "...mastiga a ameixa frouxa. Mastiga, mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca..."

Caio Fernando de Abreu

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O Portal




Ontem eu tive um sonho acordada. Era noite de Natal e eu estava naquela fase entre a consciência e o sono. Prestes a entrar no mundo dos sonhos, mas ainda com muita coisa na cabeça para se entregar por completo nas mãos do inconsciente. Foi então que eu tive esse sonho com você.

Estávamos no carro, dirigindo por uma rua que nunca vi na vida, como se fosse uma floresta. Era noite, e ríamos como se tivéssemos voltando de uma festa maravilhosa. Então de repente demos de cara com uma luz na estrada. Bem na nossa frente uma luz cintilante cor de prata impedia que avançássemos. Paramos o carro sem acreditar. Deixamos o susto da freada brusca passar um pouco, até que absortos descemos do carro para entender o que era aquilo. De repente só éramos nós, a estrada e aquela luz no meio do caminho.

Ao chegarmos perto da luz, percebemos que aquilo tinha o formato de uma porta larga, cor de prata brilhante. Mas não um brilhante de incomodar a vista, mas sim uma luz forte e sedutora ao mesmo tempo. Fui a primeira a perceber que aquilo não era só uma luz, era um portal. E foi nesse momento que todo o meu medo deu lugar à curiosidade. Uma curiosidade que me deixava nervosa como quem sabe que está prestes a receber um presente ou uma notícia muito boa. Você, por outro lado, estava imerso em um pânico contido, calado e quase imóvel a uma boa distância daquele portal.

Então comecei a tentar te convencer a entrar. Quantos portais aparecem assim na vida? Como não entrar? Era uma oportunidade única! Mesmo se fosse para entrar e morrer fulminada, mas não deixaria passar a oportunidade de viver a experiência mais sobrenatural que eu passaria nessa vida. Você achou minha ideia ridícula, falou do risco de vida e de sumir do mapa por completo. Como eu só entraria ali se fosse com você, tentei mais uma vez te convencer. Peguei uma pedra ali da margem da estrada, e joguei dentro do portal. A pedra da mesma forma que entrou, saiu do outro lado intacta. Você questionou que se não acontece nada, o porquê de atravessar. Eu falei que para a gente que não tinha entrado, a pedra só atravessou o portal e caiu do outro lado. Mas para a pedra é bem possível que tenha estado em outro lugar por um tempo, experimentado outros ares, outros lugares. Você riu.

Talvez tenha sido a pedra intacta que te deu coragem, mas combinamos de contar até três e entrarmos juntos no portal. Você segurou minha mão e naquele momento eu tive certeza que com você eu iria até o fim do mundo. Sem certeza de voltar, sem certeza de nada. Com você é onde eu deveria estar. Apertei sua mão com força, e começamos a contar. Um, e meu estômago parecia estar numa montanha russa. Dois, e olhei pro seu rosto e vi o reflexo prateado em seus olhos. Três, e eu fechei bem os meus olhos e pulei. E não doeu quando meu corpo atravessou aquela luz espessa, não doeu quando passei de um plano para outro, só doeu quando senti você soltar sua mão da minha um momento antes de eu pular. Foi então que senti a maior desolação me acometer, junto com um pânico sufocante de quem pula no meio do oceano sem saber nadar. Eu estava sozinha. Você tinha me deixado ali sozinha.

Acordei do sonho sem saber se cheguei a atravessar o portal como fez a pedra. Nem sei onde estive quando entrei naquela luz sem você. Também não faço ideia com que jeito eu conseguiria olhar pra você depois que saísse do portal. Mas uma coisa eu tinha certeza, mesmo se o portal fosse imaginário, mesmo se ele não passasse de uma luz sem o mínimo efeito, depois que saísse dele eu sairia mudada. Principalmente em relação a você. Talvez eu nunca mais tenha saído de lá, e esteja até agora procurando uma saída. Mas cheguei à conclusão que não ter entrado no portal também deve ter te mudado. Mostrou um pedaço seu que você não gostaria de conhecer. Não entrar no portal te fez não mais olhar nos meus olhos. No fim das contas o portal – real ou não –nos mudou. Tendo entrado nele ou não. Tendo saído dele ou não. Sendo um sonho ou não. Por que você largou a minha mão?



Aldrêycka Albuquerque

sábado, 30 de novembro de 2013

Sobre diferentes tipos de felicidade




stealing my happyness
 
Esses dias eu sonhei que ele realizava os meus sonhos. Não, veja bem, você não entendeu. Ele realizou os meus sonhos na vida dele, entende? Tudo o que eu sonhei, tudo o que desejei e lutei por toda a vida, ele conseguia. Era ele lá vivendo a minha vida e eu assistindo conformada. Pode isso? Alguém invadir o sonho do outro para vivê-lo no seu lugar? Pois foi o que aconteceu. Ele até estava feliz no meu lugar. Mas aquela era a minha felicidade, não a dele. E mesmo assim eu sorria, conformada, talvez até feliz.


E quando acordei, fiquei triste por estar feliz por ele. Triste como quando eu quero fazer você entender que eu não preciso de um mapa para me sentir segura. Ou quando você fica tentando fazer sua filosofia de vida entrar arranhando pela minha garganta. E eu fico tentando ignorar o fato de que o seu conceito de felicidade me deixa deprimida, enquanto o meu próprio conceito você julga insuficiente e errado. Como se eu estivesse navegando pelo lado errado do rio, ou se estivesse perdida. Era essa mesma sensação. Não exatamente tristeza, mas frustração misturada com conformação.

Aproveitando, gostaria de dizer que eu não preciso de um plano, bússola ou mesmo saber o lugar exato que eu tenho que estar daqui a cinco anos, para ser feliz. Eu também não preciso fazer o que você faz, ou pensar como você pensa. Porquê quando você fala de si, eu sempre sinto que está faltando algo que eu tenho. Só que eu não sei ao certo o que eu tenho, isso que me faz ficar deprimida por sua felicidade não ser igual a minha. É que toda vez que você me vem falar de felicidade, você aponta para tudo o que eu não sou e não tenho. Mas veja bem, não é só por causa disso, eu fico deprimida mesmo porquê as coisas que você apontou e que eu não tenho, são justamente as coisas que eu não quero ter. Não me fazem falta. Então conversar com você é me encontrar com uma versão de mim que não existe (nem existirá) e o pior, que provavelmente te faria feliz. Mas não a mim. Eu estaria deprimida. Mas será que somos assim tão incompatíveis mesmo?

Sabe porquê eu o amei tanto e por tanto tempo? (Não você, mas o cara que roubou e foi viver os meus sonhos.) É porquê apesar dele ser completamente diferente de mim, ter outros ideais e outros objetivos, ele respeitava muito quem eu era e quem eu estava me tornando. Não que eu precisasse de validação, VALIDATION IS FOR PARKING, como você bem sabe. Mas estar com uma pessoa que apesar de não querer construir um futuro com você, te aceita, te respeita e acredita em quem você é hoje e será amanhã, é no mínimo um alívio. Ruim mesmo é estar com alguém assim como você. Que não roubou meu sonho, mas fez muito pior. Você apontou pra mim e disse que tudo o que eu sou, e para onde eu vou não são suficientes para te fazer feliz. Isso é que dói. Você a todo dia grita o padrão de pessoa que eu deveria ser, poderia ser, e o quão feliz você estaria com isso, com essa minha versão parecida com você. Mas eu não estaria feliz, entenda, eu estaria... triste... eu não estaria sendo eu.

Todo mundo tem o direito de escolher seus próprios sonhos. Até de roubar e viver os sonhos dos outros, pelo jeito. Mas ficar demandando que o outro engula, aspire e viva o próprio sonho, isso não é correto. É uma transferência de objetivos de vida. Como se você estivesse assim tão feliz por ter encontrado o próprio caminho, que quisesse que os outros andassem nele também. Mas sinceramente, para mim a felicidade está no lado contrário de onde você está. Para mim a felicidade está dentro da minha cabeça, na forma que eu vejo e sinto o mundo. Não nos carimbos do meu passaporte. Não na minha conta bancária. Ou em uma agenda lotada de compromissos. Eu gosto do ócio criativo, eu gosto é da contemplação, eu gosto do simples, da calmaria, gosto de ter tempo pra cada coisa, gosto mais das pessoas pelo que elas são do que pelo o quê elas exercem. Eu gosto do anonimato, de falar só o que eu quero e com quem eu quero. Gosto de uma vida lenta, como se tivesse degustando uma comida gostosa. Eu gosto de recapitular o passado, gosto de analisar a vida e as pessoas sob a minha própria ótica e esperar ser surpreendida do contrário.Mas você não. Não é suficiente para você me enxergar como menos evoluída, precisa por o dedo e mostrar tudo o que eu não sou e que você gostaria que eu fosse. Essa não sou eu, não seria eu. 

O que custa catar os meus cacos e tentar encontrar valor neles? O que custa ver se os pedaços que fazem de mim quem sou seriam dignos de amor? Precisa ficar nessa caça incessante do que falta em mim?

Talvez o que você precise seja simples. Talvez você só precise entrar no meu sono como fez o outro, e por algumas horas roubar meus sonhos e senti-los. Sinta esse tipo de felicidade e me diga o que sente. Nothing fancy, nothing expensive, nothing complex. E então me diga como foi. Como se sentiu sem toda essa sua carga que você leva com tanto orgulho? Se gostar, eu até deixo você copiá-lo para você, o meu sonho. Te dou até um pouco dele para ver se você melhora desse seu humor. Só não me canse novamente com essas suas especificações de mim que eu nunca irei atender. É deprimente e sem sentido. E por último, escute bem atentamente. Repetir que se é feliz não faz disso uma verdade.

Eu só gostaria de fazer você entender que não existe uma busca pela felicidade. Geralmente ela é a atmosfera que nos cerca, só precisamos aprender a respirar da forma adequada. Você está tendo tempo para respirar, pelo menos?


Aldrêycka Albuquerque

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

[NÃO] "Ame Qualquer Coisa" [NÃO]

Adaptação. Texto de CS Lewis. Tirinha completa em: Play the Game and Win a Tear Stain



Encontrei essa tirinha aí de cima essa semana no Facebook. Bem, não essa aí exatamente, esta é apenas a "parte que importa" da tirinha original que vocês encontrarão nesse link. A questão é que, o que eu vim falar aqui hoje tem muito a ver com exatamente essas três partes da tirinha. O desenrolar da história do CS Lewis é linda, mas na miha vida ainda estou parada nessa terceira parte. De volta a terceira parte. De novo.

Quando nos desiludimos demais, justamente por "amar qualquer coisa", nós entramos numa cápsula protetora. Como a garotinha da história, trancamos os restos do nosso coração num baú e o protegemos a sete chaves. É natural! Porém muitas vezes toda a frieza, todo o descaso o qual nos vestimos, geralmente não é apenas luto pelo que perdemos, mas sim reflexos de uma fragilidade adquirida pelos traumas vividos.

De uns anos pra cá tentei trocar a regra do jogo. Se eu não der início ao ciclo vicioso, ou seja, se eu não começar o jogo com o "amar qualquer coisa", talvez não resulte na mesma sina de sempre. Talvez não amar, ou se assegurar de tudo antes de se entregar a qualquer coisa, a qualquer um, seja a melhor abordagem. Então planos são feitos, sentimentos reprimidos, vontades caladas, possibilidades simplesmente abandonadas. Agora só o que importa é o objetivo. Não amar qualquer um, qualquer coisa. Então o alvo desse objetivo, antes tão racional e promissor, começa a mudar de forma. Essa tal pessoa a ser encontrada passa a se tornar uma projeção meio difusa, muito longe na linha do horizonte. Como uma miragem no deserto, passamos a duvidar do que vemos [ou projetamos?]. Não sei bem que alvo é esse que eu procuro. Seria um oásis mesmo, ou apenas um alvo sempre distante e fictício, que quanto mais andamos em direção a ele, mais ele se afasta?

Então passei a me questionar se a pessoa que eu criei como alvo, aquela que não iria me fazer entrar no ciclo vicioso do "amar qualquer coisa", seria factível ou até um ser vivente. Irreal, talvez? Estaria eu julgando demais e deixando passar quem estivesse bem aqui do meu lado? Aí entra o moço do coração quebrado, pra confundir a cabeça da garota da tirinha.

Adaptação. Texto de CS Lewis. Tirinha completa em: Play the Game and Win a Tear Stain


E quantos moços não apareceram? Esse só foi mais um. Só que antes mesmo da garota pensar uma segunda vez em jogar pra ele a chave de onde trancafiou seu coração, ele mesmo desiste. Ele vai embora procurar outro coração para incomodar. CS Lewis mais uma vez errou ao falar da minha vida, e das outras tantas como eu. Não é só a questão de querer entregar novamente o coração para alguém. Falta coragem também para o moço querer abrir meu baú e contar os cacos que sobraram do meu coração. Falta a cumplicidade, o aceitar que o outro ainda está na fase de lamber as feridas e ser gratuitamente hostil. Falta disposição para ajudar o outro a se reerguer também. 

Então dá-se início a outro ciclo maldito: Homens frouxos, mulheres fragilizadas, relacionamentos prematuramente abortados. Dois bicudos, um para cada lado. Cada um carregando sua própria parcela de culpa, dores remanescentes do passado, bem como cheios de orgulho nos bolsos. Para onde vamos assim?

Eu que não sei quase nada do mar
Descobri que não sei nada de mim
- Ana Carolina -

 Entrei na estação errada de novo.



Aldrêycka Albuquerque

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

La mer...



Eu sabia que uma hora viria aqui falar de você. Não tenho como escapar, é minha sina escrever sobre sentimentos para fazê-los oficialmente existirem no universo. Parece que até antes de ser escrito o sentimento não existe, ele paira entre nós esperando algumas letras e palavras para que ele possa encarnar. E eis a encarnação do que sinto por você.

Você é lindo. E não falo apenas do exterior. Você exala beleza, bons modos, felicidade autêntica e um sentimento doce de "vida resolvida". Você é leve. Seu sorriso mostra a qualquer um que queira ver, que sua existência aqui na Terra é leve, leve... E isso tudo é contagiante. Ao mesmo tempo que me dá um medo. Parece que ofusca meus olhos todo esse brilho. Parece que me dói nos ossos essa tua energia de vida. Toda a minha amargura olha pra você e não encontra lugar. E você sabe, sou feita de verdades, sentimentos doces, mas também flocos amargos que guardo a sete chaves. Uma amargura que levo como um troféu, como se fosse o graal que me faz única, sacra. Provavelmente estou errada, ficar perto de você só me mostra que estou estrondosamente errada. 

E você falando, falando. E eu só vendo a mais pura liberdade e ousadia sair da tua boca. E eu encolhida, enrolada como um tatu entre as pernas geladas dos meus tabus, dos meus medos. Você e esse seu sotaque desenvolto, eu amarrada na camisa de força feita das minhas dúvidas. Você sorrindo, e eu com olhos perdidos, procurando na noite onde foi parar minha coragem. Você se jogando livre dos céus. Eu presa com minhas incapacidades esperando vir do céu todas as respostas que preciso. Enquanto não me mexo. Engessei nessa minha vida baseada em procurar as palavras escondidas por trás das palavras. E perdi de ouvir o que você dizia. Perdi de te devolver um sorriso verdadeiro.

Mas não te entristeces por minha culpa. Segue em frente, que se eu conseguir me libertar dos meus medos a tempo, eu te encontro no meio do caminho para o mar. Pois é no mar, dentro das águas salgadas, que nos dispimos e somos um. Lá, não passamos de pedaços da mesma matéria. No mar você me encontra do mesmo jeito que vim para essa vida. Leve e preparada para uma vida novinha em folha.


Aldrêycka Albuquerque

domingo, 18 de agosto de 2013

Por que Jane Austen não me deixou gostar de Emily Brontë





Duas moças inglesas. Uma chamada Jane Austen, nascida em 1775 em Hampshire. A outra, Emily Brontë, nascida um ano e doze dias após a morte de Jane Austen, em 1818 em Yorkshire. As duas moças tinham pais religiosos. O pai de Emily, um clérigo anglicano, já o de Austen, um pároco também anglicano. As duas moças começaram suas vidas literárias muito cedo, tendo começado a escrever suas obras mais famosas em torno dos vinte anos. Infelizmente ambas também morreram cedo. Austen morrendo possivelmente da doença de Addison em 1817, aos 41 anos de vida. Emily Brontë, por sua vez, morrendo aos 30 anos de idade em 1848, depois de um resfriado que virou uma tuberculose e que se recusou a tratar. Ambas as moças não aproveitaram em vida todo o sucesso que adviria de suas obras literárias. No caso de Jane, seis obras completas, no caso de Emily, apenas uma única obra. E por aqui terminam as semelhanças entre as duas moças.


Apesar de um contexto tão similar, as duas escritoras tomaram rumos bem diferentes. Começando pelas obras, Jane Austen sempre foi consagrada por suas tramas que sempre prezavam a virtude, o amor, a justiça e o caráter. Emily Brontë por sua vez, com sua única obra O Morro dos Ventos Uivantes, conseguiu chocar toda a sociedade vitoriana da época. Uma trama cheia de ódio, inveja, remorso, um tipo de amor torpe e amargo, a falta de caráter e amor ao próximo é o que encontramos em seu livro. É uma obra tão sombria e amarga, que foi inicialmente publicada com autoria masculina, o que poderia ser mais facilmente aceito pelo público. Só depois ficou claro que todo aquele enredo amargo e personagens anti-heróis foram concebidos por uma moça tímida de vinte e sete anos, a Inglaterra ficou chocada.


“Em 1847, Emily Brontë chocou o mundo da literatura inglesa com a publicação do seu romance O Morro dos Ventos Uivantes. O que o público viu foram novos tipos de heróis: uma marionete tirânica do mau, o próprio Satã humanizado, e uma instável mulher casada à procura do seu amor perdido. Certamente, nada do que se pode considerar como o típico estereótipo de um casal vitoriano do século dezenove.” (traduzido de Céu e Inferno: uma criação humana)



Ao se analisar as moças, de um lado nos deparamos com a carinhosa “tia Jane”, tão bem relacionada com seus amigos e familiares. Uma querida não só por sua irmã Cassandra, mas também por sua sobrinha, irmãos e amigos. Em todos os relatos da vida da Jane Austen encontramos uma moça íntegra, cristã, simpática e verdadeira. Todos só tinham os melhores elogios a tecer sobre seu caráter. Mesmo quanto estava perto da morte, moribunda, acreditava em sua recuperação até o final. E em suas últimas palavras, depois de lutar de todas as formas por recuperação, não temeu a morte e disse, entre as muitas dores que sentia “Não quero mais nada além da morte”.



Abriu a boca com sabedoria e a lei da clemência estava em sua língua.”

(Inscrição no túmulo de Jane Austen)



Do outro lado temos a sombria Emily Brontë. Uma moça tímida ao extremo, que costumava não olhar nos olhos de ninguém. Era conhecida por ter sangue frio e nervos de aço. Uma história curiosa que prova essa má fama da moça, foi quando ao passear ao ar livre, foi mordida por um cão raivoso. Sua reação foi simples: caminhou tranquilamente pra casa, onde silenciosamente cauterizou sua ferida com um ferro quente que encontrou na cozinha. O feito só foi sabido pela família muito tempo depois, quando sem querer, deixou aparecer a cicatriz vermelha da perna para familiares.


Uma vez ela foi mordida por um cachorro que ela viu correndo enlouquecidamente. Ela não disse uma palavra a ninguém, mas foi à cozinha e queimou a si mesma na carne dilacerada até o osso com ferro quente, e ninguém soube disso até que a cicatriz vermelha foi descoberta acidentalmente algumas semanas depois, e um questionamento simpático trouxe a história à tona.” (Traduzido do Wikipedia)


“Apesar de bastante alta, comia muito pouco e poderia se fazer morrer de fome quando estava triste ou quando queria impor seu próprio ponto de vista.” (Traduzido de The Reader’s Guide to Wuthering Heights)


Toda esta introdução serve como pano de fundo para que eu demonstre o tamanho da minha surpresa ao encontrar uma obra tão amarga e doentia como O Morro dos Ventos Uivantes (publicada em Londres, 1847). Sinceramente, ainda não entendo como alguém pode classificar esta obra como um romance do tipo “Love Story”. Não que seja um livro ruim. Apenas não existe amor no livro! Simplesmente não há! Pelo contrário, ele é cheio de ódio, rancor e malignidade. Ou seja, ou criou-se aqui uma nova espécie de amor, ou a Emily Brontë estava falando de alguma outra coisa bem diferente em sua obra.


“Diferentemente da maioria dos romances, os protagonistas do O Morro dos Ventos Uivantes são todos anti-heróis; a perfeita antítese do que um herói deveria ser. Ao invés de serem heróicos e terem compaixão, Heathcliff e Catherine são egoístas e mesquinhos. E ao invés deles serem felizes no amor, Catherine casa com outra pessoa e fere os sentimentos de Heathcliff. Muito orgulhosos para contarem um ao outro dos seus verdadeiros sentimentos, eles só brigam e se zangam, destruindo a vida dos dois nesse processo. (...) O livro inteiro é a história da destruição da alma humana; como o amor pode salvar ou condenar uma pessoa. Brontë traz toda uma nova perspectiva para o amor.” Leyla Shakew (traduzido de The Literature Network)


Eu sinceramente não acredito que exista qualquer outra forma de amor que não seja bondosa, que queira e faça o bem às partes envolvidas. Então dessa forma, eu nunca chamaria de amor essa raiva e obsessão doentia de Catherine e Heathcliff. Você não consegue simpatizar com nenhum personagem do livro, todos são cruéis e egoístas. Quando a sociedade vitoriana da época não se surpreendeu tanto quando pensavam que a obra tinha sido escrita por um homem, é por que não se conseguia conceber uma moça escrevendo coisas tão malévolas e cruéis assim.  Eles estavam acostumados com a amargura de figuras como o sombrio Lord Byron, e deixavam a leveza, as boas maneiras e os exemplos de caráter e moralidade para mulheres como Jane Austen.


Depois da morte de Emily Brontë, por pouco se saber de sua vida devido a sua reclusão social extrema, sua irmã Charlotte Brontë (também escritora), tratou de criar uma atmosfera reativa sobre a vida da irmã, para justificar seu isolamento social e sua mente sombria.


“A disposição da minha irmã não era muito social. Circunstâncias favoreceram e acentuaram essa sua tendência a reclusão. Exceto para ir a igreja ou caminhar pelas colinas, ela raramente cruzava os limites da casa. (...) Ela podia ouvir outras pessoas com bastante interesse, e até falar deles com bastante detalhe, mas falar COM eles, isso ela nunca fazia. Ela raramente trocava uma simples palavra com eles.” (Traduzido do Wikipedia)


Curiosamente no Morro dos Ventos Uivantes, quando está próxima a morte de Heathcliff, ele está com o corpo e a alma abatidos. Recusava-se a comer para que a morte chegasse o quanto antes. E por conta disso, perde seu porte físico, ficando magro, pálido e com uma expressão medonha como se tivesse saído dali uma pessoa, e um ser de outro mundo tivesse tomado o seu lugar. A expressão do seu rosto era tão pavorosa, que assustou Nelly, uma criada que conviveu com ele desde quando foi adotado pela família Earnshaw. A curiosidade aqui reside na própria morte da Emily Brontë, no auge dos seus 30 anos. Ela pegou um resfriado no dia do enterro do seu irmão, e se recusou a tratá-lo. O resfriado virou uma tuberculose que começou a abatê-la ferozmente. Ela nem permitia que médicos fossem chamados, nem se permitia tomar os remédios que eram enviados para ela. Em apenas três meses Emily definhou até a morte, e em seu último suspiro deve ter se arrependido da sua estúpida inconseqüência e falou para sua irmã: “Se você ainda for chamar um médico, eu agora aceito ser tratada”. Obviamente, não dava mais tempo. Emily então faleceu tão magra, que seu caixão teve apenas 40 centímetros e meio de largura (por 1,70 de altura), esta largura era comum apenas para caixões de criança, o que impressionou até o carpinteiro que o confeccionou.


Dito tudo isso, aproveito para deixar claro que a obra de Emily Brontë deve ser lida sim, é um clássico! Mas não espere uma experiência de crescimento interior e introspecção, pois isso não vai acontecer. No máximo você vai terminar a leitura chocada, ao mesmo tempo que não vai conseguir largar o livro. A trama é instigante e te prende do começo ao final. E eu sinceramente espero que você não suspire de amores por Heathcliff. Acho que o mundo já está cheio de “amores” danosos demais para você desejar algo tão ruim para amar. Então a dica é: não seja uma Catherine Earnshaw (muito menos Cathy Linton). E o mais importante: se encontrar um Heathcliff por aí, não perca tempo. Corra sem nem olhar pra trás.



Aldrêycka Albuquerque




Texto também publicado no Livretando:
http://livretando.blogspot.com.br/2013/08/porque-jane-austen-nao-me-deixou-gostar.html

domingo, 4 de agosto de 2013

A menina que amava as pedras



Estava eu em um desses domingos comuns em que nada acontece, quando se olha absorta para um filminho meia boca na TV, enquanto a mente vaga sem rumo por lugares assim não muito aconselháveis. Lutava contra uma vontade louca e besta, que muitas vezes chega sem pedir licença, e tão rápido quanto vem também vai embora. Foi quando uma amiga chamou pelo chat pra falar de amores antigos. Ela reclamando dos antigos e eu naquele dilema duro que são os amores novos, os amores em potencial. Ela reclamava que não conseguiria mais amar o ex, então esperou por uma réplica minha. Não sei se foi minha mente que há uns bons minutos vagavam a pensar e a ponderar o imponderável. Não sei se por impulso. Nem sei se por puro desequilíbrio hormonal. Respondi então, aguda e seca, o que se segue.

Não sei você, mas eu morro de medo de uma doença que tenho. Uma doença louca que como um verme microscópico vem e se instala em algum lugar entre o coração e o meu estômago. E me dói. E me faz perder a fome. Mexe com meus nervos e agulha até o estômago! Essa doença consiste em uma propensão inata a amar facilmente e com uma intensidade insana, tudo ou qualquer coisa. Dessa forma, eu acredito que eu poderia amar até uma pedra. Se eu não me controlasse, poderia facilmente morrer de amores até pelos seixos do jardim! Eu nunca precisei de reciprocidade, de constância, de alimento pro amor louco que muitas vezes eu sinto. Assim, mesmo uma pedra dura e fria, que nunca poderia deixar de ser o objeto inanimado que é, com pouco esforço eu poderia sim me apaixonar.

E como isso é perigoso! E como eu tenho medo! Então passo os dias tentando me manter distante, me segurando para não arrebentar essa represa em cima de ninguém que não esteja preparado. Sem contar que não seria saudável para mim dar flecheiro em copo d'água de novo. Mergulhar fundo em pessoas rasas dá uma canseira danada. É doído, meu Deus, como é dolorido! E custa a passar... Os dias e anos se arrastam. E eu continuo insistindo nos barcos furados, esperando que um dia eles naveguem em paz no meu mar. Mas eles nunca irão. São pedras, afundarão e se perderão em mim, e de mim. Copinhos rasos frente ao meu oceano confuso e denso.

Amar assim tão fácil, é um perigo de extinção. Qualquer dia desses por desperdiçar amor assim aos tantos, como uma torneira que sangra noite e dia um líquido precioso, um dia ele pode acabar. Um dia meu oceano pode secar sem que ninguém tenha tentado navegá-lo. Cada um que veio, tirou pra si um punhado das minhas águas, do meu sal. Dei assim de graça toda a vida que havia em mim. Que cenário amargo, Deus. Livra de mim.

Mas é assim que tem sido a minha vida: to curb. Conter. Refrear. Restringir. Inibir. SUFOCAR. Guardar o amor para não desperdiçá-lo com as rochas da pedreira que é a vida.



Aldrêycka Albuquerque

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Afetos Impossíveis



Conheço um sujeito que se apaixonou pela cunhada. Um dia começou a pensar nela antes de dormir. Pouco depois, percebeu que não via a hora de encontrá-la nas reuniões de família. Não que fosse uma beldade, ele me disse. Era apenas uma gordinha brejeira, diferente da pálida elegante que ele namorava. De tanto desejar a mulher do irmão, começou a imaginar que ela também o queria. Achou que percebia olhares, sorrisos, raspões de corpo na porta da cozinha. Um dia, meio bêbado no almoço de domingo, na casa dos pais, teve certeza de que ela tocava os pés dele embaixo da mesa. Uma loucura. 

Como não era personagem do Nelson Rodrigues, nem a vida dele uma tragédia suburbana, num dado momento o surto passou, antes que ele tivesse tempo de fazer qualquer loucura. De alguma maneira, percebeu que, em vez paixão, o que estava sentindo era puro assanhamento - explicável, em boa medida, pelos problemas dele com a namorada. Quando as coisas recomeçaram a funcionar na intimidade dele, a cunhada voltou a ser apenas a mulher sorridente e carinhosa que sempre fora. 

Por trás dessa história inofensiva existe algo que eu chamo de “afetos impossíveis”. O alvo desses sentimentos insolúveis pode ser qualquer pessoa, mas a situação é sempre a mesma: uma fantasia amorosa invade a nossa consciência e ocupa o espaço da vida real. Em vez de mandá-la para o ralo dos devaneios inconfessáveis, nós abraçamos a aberração. Então os problemas começam. 

Há homens maduros que se apaixonam pela filha do vizinho. Há professoras que ficam obcecadas por alunos adolescentes. Há garotas transtornadas por outras garotas que nada querem com elas. Até gente enamorada do amigo ou da amiga cabe nessa definição. O que liga todos esses casos é a ausência de esperança. O que os torna parecido é o fato de esporem os caprichos do nosso desejo. 

Nós queremos tudo, o tempo inteiro. Afeto, sexo, admiração, objetos. É um milagre de sanidade que a máquina de querer que somos nós consiga estabelecer com o mundo – e com outras pessoas transbordando de vontades – alguma relação civilizada. Na maior parte do tempo, mantemos sob controle o aparato desenfreado de querer. Aplicamos sobre ele o duro princípio da realidade. Eu quero, mas Fulana não quer. Eu tenho vontade, mas não posso. Já tentamos e não deu certo. São mecanismos racionais de defesa que funcionam. Secretamente ainda queremos, mas esses mecanismos nos ajudam a socar a vontade inconfessável no porão da alma, lá embaixo, onde só entramos escondidos uma vez por ano, geralmente bêbados. 

Quando permitimos que uma vontade assim escape do porão ela vira um afeto impossível, espécie de Godzila emocional destruindo o centro de Tóquio, que somos nós. Desejo pela cunhada, paixão pelo amigo gay, o impulso de procurar aquela mulher que agora está casada com dois filhos. Que tal escrever, de novo, para aquela pessoa que trata você como lixo? Ou reatar o romance destrutivo que pôs à mostra o que há de pior em você? 

Não é preciso ser tabu para ser um afeto impossível. Cada um de nós conhece melhor que ninguém o rosto do seu mostro e os contornos do porão sombrio de onde ele saiu. São desejos sem correspondência na realidade. Autoindulgências perigosas. Situações trágicas, no sentido de que o seu desfecho é mais ou menos inevitável desde o início. Coisas que nos machucam, e, no limite, são capazes de nos destruir. Quem se concede esse tipo de fantasia está fadado a dar com os burros n’agua 9,5 em cada 10 vezes. Mas muitos insistem em tentar. 

Afinal, hoje em dia vivemos para realizar os nossos desejos. Acreditamos que a satisfação das nossas fantasias é a única forma de felicidade - na vida material e nas relações afetivas. Em vez de cultivar o senso de proporção e de realidade, agimos, na vida amorosa, como consumidores afoitos para quem tudo está disponível. Acreditamos no triunfo do desejo mesmo que ele dispute com a lei da gravidade. 

Pois eu acho que os limites existem. Cunhada não pode, filha do vizinho é demais, gente maluca não dá. Quem apenas nos faz sofrer está fora da lista, paixão platônica por amigos é burrice, dependente químico precisa de médico. Nem tudo que desejamos é legítimo, afinal. Nem tudo pode. Um dia temos de aprender a dizer não para nós mesmos e olhar os erros de frente. Aprender com as decepções. Em vez de ilusão, realidade. Em vez de devaneio, mundo real. Os afetos impossíveis resultam em boas histórias do Nelson Rodrigues – mas são histórias que ninguém quer levar na própria biografia.